O músico inglês diz que a campanha do ‘Brexit’ foi “uma campanha falsa” e disse estar “enojado” e “zangado” com os atuais políticos do seu país
O cantor inglês Jamie Cullum, que encerrou no domingo o festival Cascais Groove, disse que Portugal é dos seus sítios favoritos para atuar e falou ainda sobre o ‘Brexit’ e confessou-se “enojado” com os atuais políticos britânicos.
Faltavam duas horas para subir ao palco do Cascais Groove, agendado para as 23:00, quando Jamie Cullum apareceu nos bastidores, com a simpatia que já lhe é reconhecida, para falar com os jornalistas que o aguardavam.
Em entrevista à agência Lusa, o cantor e pianista de jazz contemporâneo, que já atuou várias vezes em Portugal, revelou que o público português é sempre “incrível” nos seus concertos.
“Aqui em Portugal, vocês são capazes de comunicar a vossa alegria mais facilmente do que nós no Reino Unido. Há um sentimento comum de vários músicos de que Portugal é um dos melhores sítios, sem dúvida, para se tocar e não digo isto por estar aqui. Este é um dos meus sítios favoritos para tocar. Eu e a minha banda achamos isso”, afirmou.
O artista inglês contou ainda a história que normalmente recorda com a sua banda da vez que saíram de uma ’tour’ no Reino Unido para Lisboa, onde o público vibrava mesmo antes de o concerto começar.
“O público inglês é maravilhoso, mas um tanto ou quanto reservado. Ao fim de três semanas de ’tour’ pelo Reino Unido, fomos diretos para Lisboa para tocar no Coliseu e o barulho que faziam mesmo antes de subir ao palco era maior do que o do público inglês de toda a ’tour'”, recordou.
Referência no mundo do jazz, Jamie Cullum é capaz de pôr uma plateia inteira de pé durante um concerto, sem nunca aproveitar os lugares que tem para se sentarem.
“Quando se sente tanto a música, a parte da ‘performance’ vem naturalmente. Se não estás intenso, ou não te sentes confiante, ou estás preocupado em falhar, é bom que se esteja preparado para arrasar”, afirmou.
Por isso, o cantor não considera que a plateia sentada seja uma barreira à energia e interação com o público.
“Nunca pensei na barreira de as pessoas estarem sentadas, porque alguns dos concertos mais poderosos que já vi são com a plateia sentada”, referiu.
Jamie Cullum, que este ano cumpre 16 anos desde o lançamento do primeiro álbum “Heard it all before”, espera continuar a “tocar, fazer música e ter os concertos cheios de gente”.
“Não sinto que a cada vez que faço um álbum tenha de ser número um ou ganhar prémios. Só quero que a minha carreira dure muito e que seja melhor músico. Soa um bocado piroso, mas é o que eu quero”, apontou.
Jamie Cullum não ignorou também o que se está a passar no Reino Unido, com a saída da União Europeia, decidida em referendo.
“Estou tão deprimido com isso. Acho que são os políticos no seu pior. Exploram as pessoas que não estão satisfeitas. As pessoas não estão satisfeitas por muitas razões”, disse.
“Foi uma campanha falsa. Muitas pessoas têm trabalhos mal pagos, as escolas são muito pequenas, os hospitais também e o governo não está a gastar o dinheiro naquilo que faz verdadeiramente falta e alguns para terem mais poder, alguns maus políticos, dizem que a culpa é dos imigrantes. Não é verdade. Fico enojado com estes políticos porque expõe o pior do nosso país. Ainda não acredito e até fico emocionado. Nunca me senti tão zangado com os políticos no Reino Unido”, sustentou.
Sobre o futuro do Reino Unido, disse ter “esperança” que de alguma forma se ganhe consciência do “erro” cometido e que seja possível reatar a relação com a União Europeia.
“Se fosse por mim, nunca sairiamos e isto teria sido só um ‘abre olhos’ para tudo o que tem de ser melhorado e trabalharmos mais para ajudar as pessoas com mais dificuldades. Não sei o futuro, não sou político e provavelmente não sei nada sobre muita coisa, mas sei que termos saído da União Europeia foi uma decisão errada”, sublinhou.
Durante o concerto, Jamie Cullum pediu “desculpa” pelo povo britânico por estarem todos “a lutar uns contra os outros” e, durante uma das canções, lembrou: “queremos fazer parte da União Europeia”, merecendo ovação do público presente.
O cantor, que não trouxe nenhuma ‘set list’ planeada, apelou à energia do público e disse que ia tocar o que lhe viesse à cabeça.
O público assentiu ao pedido do inglês que deixou o palco, desfilou pelo corredor central, puxou as pessoas para a primeira fila que não mais regressaram aos seus lugares até ao fim do concerto que só terminou depois da 01:30.
O Cascais Groove registou neste terceiro e último dia a maior afluência, com lotação esgotada e com o vento e o frio a darem algumas tréguas, depois de terem afastado muitas pessoas nos dois primeiros dias.
O cantor português Miguel Araújo inaugurou a noite com um concerto que surpreendeu o público por se ter juntado, num trio inédito, António Zambujo e a fadista Carminho.
Artigo publicado no Diário de Notícias no dia 27 de junho de 2016