Por Laurentino Dias, Ex-deputado do PS
Venho vivendo este tempo de confinamento em regime de teletrabalho, recolhido em casa no Norte, nessa desgraçada região que regista maior número de casos de covid-19 pois, segundo alguns, tem uma população “menos educada”, “mais pobre e envelhecida”, e “muito concentrada em lares”. Quem assim falou já pediu desculpas, e acredito que a generosidade do povo nortenho as aceitou. Mas levará seguramente mais tempo a perdoar por ter já experiência repetida de distracções ou exercícios de sobranceria repetida e inaceitável.
É verdade, ou parece ser verdade, que o alarme covid começou a Norte, em Felgueiras porque alguém teve a desfaçatez de ir a Itália, não de férias mas em trabalho, e assim importar esse vírus que – atacado na hora – não pôs cidade e concelho de Felgueiras em estado de sítio ou de emergência. Também é verdade que por aqui se concentram fileiras industrias de mão de obra intensiva, de que o têxtil e o calçado são um exemplo, e que saibamos ainda não se conseguiu fabricar telesapatos , telemalhas ou teleshirts. Não. É preciso estar lá, sentada ou sentado na máquina para que a fábrica produza. Talvez seja também porque as folhas de salários destas indústrias são muito baixas, que todos têm que trabalhar desde pequenos. Será por isso que se pensa serem assim “menos educados”? E talvez por a vida ser um pouco assim cá por estes lados, há muitos dos agora tão temidos lares. Poucos são os que podem ficar por casa, sem trabalhar, para acompanharem e tratarem dos seus pais. Gostavam certamente de o fazer mas, antes do mais, é preciso juntar os ordenados para sobreviver. E até para pagar o Lar dos seus pais…
A vida não é fácil do lado de cá. Mas o povo é forte. Na minha juventude já vi este Norte desertificado. Sim, despido da maior parte da sua juventude, fugindo do seu país em busca de trabalho e pão. Esses, os emigrantes dos anos 60, chegaram à Europa primeiro que o seu Portugal. Sobreviveram, e o nosso país também sobreviveu a tamanha sangria de mãos em idade activa. Muitos voltaram, outros não, mas todos trouxeram riqueza que durante muitos anos alimentou boa parte das finanças públicas e veio a fazer nascer inúmeros comércios e industrias. Por isso, este Norte, hoje está bem diferente, para muito melhor. Acompanhando o desenvolvimento de todo o país vivendo em democracia e no contexto europeu.
É verdade, mas é mesmo verdade, que este povo nortenho tem um estilo muito próprio de ser e estar na vida. E não é só pelo sotaque, que sendo muito diferente em diferentes espaços deste mesmo Norte, se nota sempre que tem a sua matriz nortenha.
E também não há professor que obrigue, ou dicionário que imponha, palavras mais educadinhas ou ajuizadas em lugar de expressões, advérbios ou adjectivos que teimam não deixar perder. Dá- se o caso (eu disse dá-se, não vá o caso de alguém pensar outra coisa) de o povo se entender assim. Não se lhe pode levar a mal.
A vida não é fácil do lado de cá. Mas o povo é alegre. Tem orgulho nas suas coisas, nas suas terras, nas suas festas, nas suas tradições. E com a chegada da Primavera e logo de seguida do Verão não há recanto algum que não faça a sua festa. Com romaria, terços, missas e procissões, música bem alto nos campanários das igrejas (como se fosse preciso) a avisar para que não falte ninguém. Festivais de música, comes e bebes, cafés, restaurantes, idas à praia, arraiais é assim este Norte cheio de gente feliz, de ora em diante até findar o Setembro.
Foi assim, sempre! E como será neste ano de 2020?
Ninguém se esqueça que quando os responsáveis pediram para o povo se recolher, recolheu. Sem ser preciso exercício de autoridade. Todos aplaudiram e uma batalha se venceu como os números de hoje mostram.
Ninguém se esqueça que quando os responsáveis falarem do túnel e acenderem a tal luz, ainda que lhe chamem ”luzinha” para ao mesmo tempo pedirem recolhimento, o povo já não vai ver luz nem luzinha, vai ver o Sol. O sol da rua, da festa, da praia, da romaria…
Ninguém se esqueça do que pode acontecer nessas circunstâncias. Temo por esse momento .E não estou a pensar só nos “menos educados” quando me preocupa uma gigantesca nova batalha que será preciso travar para, no final, ganharmos a guerra!
Texto publicado no Expresso Online de 22 de Abril de 2020.