RESUMO
Os sucessos da Presidência Alemã nas negociações do pacote financeiro de resposta à crise e do Acordo do Brexit podem ter afastado o cenário de “tempestade perfeita” que ameaçava abater-se sobre o projeto europeu, mas não impedem que, diante de uma crise sanitária e económico-social sem precedentes, a Presidência Portuguesa do Conselho Europeu vá ter de enfrentar problemas e desafios que configuram ainda uma violenta e perigosa tempestade. Dando seguimento à sua tradição de presidências europeias de sucesso, Portugal assumiu as prioridades certas para uma Europa mais solidária, mais justa e mais forte, capaz de corresponder melhor às expetativas dos cidadãos. 

 
ABSTRACT
The successes of the German Presidency in the negotiations on the financial recovery package to tackle the crisis and the Brexit deal may have averted the “perfect storm” scenario that threatened to engulf the European project, but they do not prevent the Portuguese Presidency of the European Council, while tackling an unprecedented health and socio-economic crisis, from having to face difficulties and challenges that still constitute a violent and dangerous storm. In keeping with its tradition of successful European presidencies, Portugal has assumed the right priorities for a more solidary, fairer and stronger Europe, thus better able to meet the expectations of its citizens. 

Introdução
 
A quarta Presidência Portuguesa do Conselho Europeu, que teve início no passado dia 1 de janeiro de 2021 e se prolonga até ao final de junho, ocorre num momento de múltiplos e difíceis desafios para o projeto europeu. É certo, os importantes sucessos alcançados na reta final da Presidência Alemã - designadamente a aprovação do pacote financeiro de resposta à crise e o Acordo do Brexit - permitiram um certo desanuviamento do horizonte político e, consequentemente, um relativo aligeirar do caderno de encargos da Presidência Portuguesa. Todavia, ainda que o cenário aterrador de uma “tempestade perfeita” pareça agora mais distante, é ainda um ambiente de perigosa tempestade e mar revolto aquele que a Presidência Portuguesa vai enfrentar. Seria um grave erro ignorá-lo.
 
Desde logo, é preciso ter presente que a violência da pandemia, não obstante as suas enganadoras oscilações cíclicas, não só não dá sinais de abrandar como se alimenta de mutações e novas estirpes para fazer prosseguir a sua onda destruidora, pressionando os limites dos sistemas de saúde e exigindo respostas eficazes na frente sanitária, bem coordenadas ao nível europeu.
 
Por outro lado, a resposta sanitária à pandemia continua a forçar, em Portugal e por toda a Europa, a adoção de novas medidas restritivas com efeitos inevitavelmente devastadores para a economia, para o emprego e para as condições de vida das famílias, provocando uma recessão económica sem precedentes, fazendo disparar as falências, o desemprego e a pobreza, mas agravando também, de forma muito profunda, as desigualdades no quadro europeu.
 
Muito compreensivelmente, esta situação de crise leva os cidadãos a exigir da União Europeia e dos seus Estados-membros aquilo que, num contexto como este, só as políticas públicas podem verdadeiramente proporcionar: uma resposta económica e social à altura das circunstâncias, capaz de fornecer apoio social a quem mais precisa e de dinamizar o investimento onde ele é mais necessário para garantir o direito à saúde e para relançar a economia e a criação de emprego. Inevitavelmente, o arrastar da crise fará crescer a expressão desta exigência popular.
 
Não é difícil antever que o tremendo impacto económico e social da pandemia, fomentando frustrações e descontentamentos numa altura em que não estavam ainda totalmente dissipados os efeitos da crise económico-financeira anterior, se torne terreno favorável para uma expansão ainda mais preocupante dos movimentos populistas eurocéticos e xenófobos - que já antes vinham conquistando espaço nos sistemas políticos europeus - corroendo os valores humanistas da construção europeia e minando a capacidade de construir respostas solidárias, seja no plano da coordenação da resposta sanitária e económica à crise, seja noutras frentes em que o humanismo europeu e o sentido de solidariedade são especialmente postos à prova, como é o caso das políticas de gestão das migrações ou até de acolhimento humanitário dos refugiados.
 
Paralelamente, apesar da prioridade avassaladora que forçosamente tem de ser dada à resposta à pandemia, a absoluta urgência de outros importantes desafios estruturais não deixará de se fazer sentir durante a Presidência Portuguesa: a emergência climática, que permanece incontornável; a transição energética e a transição digital, cada vez mais inadiáveis; a conclusão da União Económica e Monetária e da União Bancária, ainda inacabadas; a valorização do pilar europeu dos direitos sociais, mais oportuna do que nunca; a promoção da justiça fiscal, que já tarda, e, em geral, o reforço do multilateralismo, a regulação da globalização e a promoção do desenvolvimento sustentável, domínios em que se espera da União Europeia, neste mundo instável, nada menos do que responsabilidade e liderança.
 
Em suma, ninguém se iluda: não será, talvez, uma “tempestade perfeita”, mas é ainda um tempo de tempestade aquele que a Presidência Portuguesa terá que enfrentar neste semestre. Ora, nada mais importante numa tempestade do que acorrer às emergências com eficácia e manter a noção do rumo certo. Felizmente, pode dizer-se que a Presidência Portuguesa teve a lucidez de enunciar com clareza as suas prioridades estratégicas, alinhando-as com os desafios mais urgentes, mas também com os desafios mais estruturais que se colocam ao projeto europeu.
 
Cinco prioridades merecem um destaque especial.
 
1. A resposta sanitária à pandemia e a estratégia europeia de vacinação
 
A primeira e mais incontornável prioridade da Presidência Portuguesa é, naturalmente, assegurar uma resposta sanitária coordenada da União Europeia à pandemia, a começar pela execução da estratégia europeia de vacinação - que constitui, reconhecidamente, o instrumento mais decisivo para contrariar a propagação do vírus.
 
Deve sublinhar-se que a opção de aquisição de lotes de vacinas pela própria Comissão Europeia, a distribuição equitativa dessas vacinas por todos os Estados-membros e o início praticamente simultâneo das campanhas de vacinação nos vários países europeus são excelentes e poderosos sinais da vantagem de pertencer à União Europeia e do muito que podemos fazer em conjunto, a benefício de todos, se agirmos de forma coordenada no plano europeu.
 
Do que trata agora, no decurso da Presidência Portuguesa e em articulação com a Comissão Europeia, é de executar, no terreno, as operações de vacinação, garantindo a eficiência das operações logísticas e assegurando uma distribuição das vacinas célere, suficiente e em condições de rigorosa equidade entre os Estados-membros, ao mesmo tempo que se garante o cumprimento dos contratos celebrados com os fornecedores e se contraria quaisquer tentações que possam surgir - como, aliás, já surgiram - de negociações bilaterais entre Estados-membros e as empresas farmacêuticas.
 
Paralelamente, além do investimento europeu na investigação científica e médica associada ao combate à pandemia, da troca de informações e de experiências e do auxilio mútuo entre sistemas e serviços de saúde, importa que o Conselho aprofunde a necessária coordenação das medidas nacionais de resposta à COVID-19, sobretudo nos aspetos com maior implicação transfronteiriça, designadamente em matéria de viagens e de controlo de fronteiras.
 
Para que os bloqueios e os movimentos descoordenados a nível europeu, a que assistimos no início da pandemia, não se repitam, será necessária uma atenção permanente da Presidência Portuguesa.
 
2. A recuperação económica e social da Europa
 
Em segundo lugar, a Presidência Portuguesa terá de atribuir uma enorme prioridade à recuperação económica e social de uma Europa duramente atingida pelos efeitos devastadores da pandemia.
 
Aprovados que foram o Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 e o Plano de Recuperação Europeu (New Generation EU) 2021-2026, o desafio óbvio da Presidência Portuguesa é concluir o processo de operacionalização desses fundos, para que possam chegar o mais cedo possível à economia real. Trata-se, convém dizer, de um trabalho muito exigente, num calendário extremamente ambicioso. Na verdade, concluir este processo implica não apenas negociar e fazer aprovar mais de quarenta regulamentos europeus, mas também preparar, avaliar e aprovar todos e cada um dos 27 programas nacionais necessários para a mobilização dos novos fundos comunitários.
 
Se a Presidência Portuguesa conseguir, como se deseja, assinalar durante o seu mandato, provavelmente numa Cimeira da Recuperação e Resiliência, a conclusão deste processo de operacionalização do pacote financeiro acordado na Presidência Alemã, terá alcançado um sucesso assinalável, da maior importância para a resposta europeia à crise.
 
O que está em causa, importa dizer, é pôr no terreno uma resposta económico-financeira à crise que, no seu conjunto, é diametralmente oposta à resposta austeritária que dominou, sobretudo a partir de 2010, a resposta europeia à crise internacional anterior. Além da suspensão das regras do défice e da dívida que norteiam o Pacto de Estabilidade e Crescimento, da flexibilização dos regimes das ajudas de Estado e da contratação pública e da imediata mobilização pelas várias instituições europeias de apoios financeiros de emergência, deve reconhecer-se que o pacote financeiro acordado a nível europeu é muito poderoso no seu volume, mas também inovador nos seus instrumentos - a um ponto, aliás, que se julgaria impossível ainda há bem pouco tempo. Na verdade, desta vez a mobilização de recursos financeiros faz-se com base na emissão de dívida pela própria Comissão Europeia, mutualizando responsabilidades; o pagamento dessa dívida será suportado por novos recursos próprios da União Europeia, dispensando o acréscimo das contribuições nacionais para o orçamento europeu; e, finalmente, as transferências financeiras para os Estados-membros serão feitas mais por via de subvenções do que de empréstimos (os quais, em qualquer caso, sempre beneficiarão de juros mais baixos graças à intermediação europeia), desonerando assim as dívidas públicas nacionais e criando condições para, em sinergia com a intervenção do Banco Central Europeu, evitar uma nova crise das dívidas soberanas.
 
Esta inédita mobilização de recursos financeiros é indispensável para um objetivo político essencial que lamentavelmente faltou na resposta europeia à anterior crise: o alinhamento estratégico entre uma política monetária expansionista do Banco Central Europeu e uma política orçamental e de investimento igualmente expansionista por parte das instituições europeias e dos Estados-membros, sobretudo daqueles que dispõem de maior margem orçamental. Só este alinhamento estratégico poderá viabilizar a recuperação económica e social da Europa diante desta crise sem precedentes.
 
Para Portugal, conjugando as verbas do novo Quadro Financeiro Plurianual e do Plano de Recuperação europeu, isto significa cerca de 45,1 mil milhões de euros só em subvenções, disponíveis entre 2021 e 2029, ou seja, mais 38% do que Portugal obteve no período de programação financeira anterior - um contributo importantíssimo da União Europeia para que possamos enfrentar as atuais dificuldades.
 
É certo, apesar dos instrumentos financeiros que já foram disponibilizados e da possibilidade de antecipação de uma percentagem (13%) dos fundos que constam do pacote financeiro recentemente aprovado, é natural que o impacto económico destes novos instrumentos financeiros ainda não se faça sentir, plenamente, durante a Presidência Portuguesa, recaindo mais no segundo semestre do ano. Contudo, a tarefa da Presidência Portuguesa é absolutamente fundamental para que essa resposta financeira chegue à economia real o mais cedo possível.
 
Assumindo claramente estas suas duas prioridades - implementação coordenada da estratégia europeia de vacinação e operacionalização de uma poderosa resposta económica e social à crise causada pela pandemia - a Presidência Portuguesa dará um contributo essencial para que a União Europeia esteja, num momento decisivo, à altura das expetativas dos cidadãos.
 
3. Uma Recuperação Verde, Digital e Justa
 
A mobilização de um volume de recursos financeiros sem precedentes para responder à crise constitui uma excelente oportunidade para alinhar os investimentos que vão ser feitos - e que constarão dos planos nacionais de recuperação - com os objetivos de médio e longo prazo assumidos na estratégia de desenvolvimento da União Europeia. Por isso, a Presidência Portuguesa assume o desígnio de promover uma recuperação Verde e Digital, mas também uma recuperação Justa, que valorize e dê maior expressão concreta ao Pilar Europeu dos Direitos Sociais.
 
Para concretizar uma recuperação “Verde”, do que se trata é de garantir que os investimentos que serão financiados com os novos fundos comunitários são consistentes com os objetivos e as metas do chamado “Green Deal” europeu, que faz a síntese das respostas necessárias aos desafios da emergência climática, da descarbonização da economia, da transição energética e da proteção da biodiversidade e dos Oceanos.
 
Uma recuperação “Digital”, por seu turno, significa alinhar esses novos investimentos também com o desígnio da transição digital, essencial para o reforço da competitividade da economia europeia num mundo global marcado pela evolução tecnológica, com profundas implicações nos circuitos produtivos e nas cadeias de distribuição de bens e serviços, mas também na própria organização e adaptação do mercado de trabalho.
 
Todavia, é na ideia de uma recuperação “Justa” que a Presidência Portuguesa pretende - e bem - deixar a sua marca, recordando à Europa a urgência de uma agenda social que devolva ao projeto europeu a ambição da coesão e da convergência, que responda com maior determinação aos desafios do combate à pobreza e às desigualdades e que dê expressão concreta ao Pilar Europeu dos Direitos Sociais.
 
O ponto alto desta prioridade da Presidência Portuguesa será a Cimeira Social prevista para os dias 7 e 8 de maio, na cidade do Porto. Envolvendo um diálogo aberto com os sindicatos e os demais parceiros sociais, a Cimeira Social do Porto contribuirá para definir uma agenda social europeia e discutir temas como o enquadramento europeu do salário mínimo, o resseguro europeu de desemprego, os direitos dos trabalhadores, a precariedade, a aposta nas qualificações e na formação profissional, os instrumentos europeus de combate à pobreza e às desigualdades, a garantia jovem e a garantia infantil, a igualdade de género e o “pay gap”, a resposta ao desafio demográfico e a necessidade de avançar para uma autêntica União para a Saúde.
 
Numa altura em que a crise atual agrava muito seriamente as condições de vida dos trabalhadores e das famílias, e acentua gravemente as desigualdades entre países e regiões, a Presidência Portuguesa coloca no topo da sua agenda a ambição de uma Europa Social e de uma Europa mais justa. Uma escolha arriscada, dirão alguns. Mas uma escola acertada e necessária.
 
4. Uma Europa Global
 
Num momento de grandes incertezas e desafios à escala global, a agenda da Presidência Portuguesa confere uma atenção necessariamente prioritária também à frente externa, para uma Europa mais forte no Mundo. Julgo, aliás, que é importante sublinhar um ponto que não tenho visto referido: durante seis meses, Portugal acumulará a Presidência do Conselho Europeu, liderado por António Costa, com a posição de Secretário-Geral das Nações Unidas, a cargo de António Guterres. Uma ocasião de ouro para a diplomacia portuguesa e uma excelente oportunidade para Portugal fazer a diferença.
 
Desde logo, a mudança operada na Casa Branca, com a derrota de Trump e a eleição de Joe Biden e Kamala Harris, abre excelentes perspetivas para o relançamento da relação transatlântica e para o reforço da importantíssima parceria estratégica, geopolítica, económica e comercial entre a União Europeia e os Estados Unidos da América. Todavia, para além deste quadro bilateral transatlântico, a nova Administração Biden cria condições para pôr fim à absurda Guerra Comercial desencadeada por Donald Trump e para um renovado compromisso internacional com o Acordo de Paris e com a luta contra as alterações climáticas, com a cooperação para a resposta à pandemia através da Organização Mundial de Saúde, com a reforma da Organização Mundial do Comércio e, em geral, com a valorização do multilateralismo e a promoção desenvolvimento sustentável à escala global. Naturalmente, a Presidência Portuguesa assume a incumbência de retomar uma cooperação saudável com o seu velho aliado do outro lado do Atlântico.
 
Por outro lado, concluído o traumático processo do Brexit e celebrado que foi, na véspera de Natal, o novo Acordo de Comércio e Cooperação entre a União Europeia e o Reino Unido, trata-se agora de concluir o processo de ratificação no Parlamento Europeu e normalizar, no quadro novo que ficou definido, as relações entre a União Europeia e o seu importante aliado e vizinho do outro lado do Canal da Mancha. Naturalmente, nenhum acordo de comércio e cooperação, por muito amplo e generoso que seja, pode reproduzir a condição de pertença à União Europeia, ao Mercado Interno e à União Aduaneira de que o Reino Unido beneficiava. As coisas não voltarão a ser como eram antes e, nessa medida, este acordo sobre a relação futura não é, nem poderia ser, mais do que um exercício de controlo de danos. Contudo, salvaguardando as condições de justa concorrência e os padrões europeus de proteção ambiental, social e laboral, o acordo firmado estabelece os termos de uma cooperação política e económica favorável a ambas as partes, assim sejam cumpridos os compromissos que ficam escritos no papel. Certo é que não haverá ninguém melhor do que Portugal, com a sua velha e sólida relação especial com o Reino Unido, para liderar do lado europeu, na sua Presidência, a construção desta nova relação com os olhos postos no futuro.
 
Todavia, é nas parcerias com a Índia e com África que a Presidência Portuguesa mais fará realçar a sua marca distintiva na frente externa. Se o relacionamento com África já ocupou lugar de destaque em presidências portuguesas anteriores, dando origem a um quadro de cooperação hoje bastante estruturado, a Cimeira com a Índia, agendada para maio, na cidade do Porto, é uma importante novidade e promete ser, sem dúvida, um dos pontos altos da Presidência em curso. Aprofundar a parceria da União Europeia com aquele gigante asiático, uma notável potência emergente e a maior democracia do Mundo, porventura em direção a um acordo de cooperação e investimento, é algo que tem, obviamente, uma enorme importância geostratégica. Os laços históricos e culturais de Portugal com a Índia e a própria circunstância do Primeiro-Ministro português ter ascendente indiano, posicionam favoravelmente a Presidência Portuguesa para ter sucesso nesta sua aposta.
 
Finalmente, deve notar-se que a ambiciosa agenda comercial e de proteção do investimento que tem vindo a ser prosseguida pela União Europeia terá, também, importantes desenvolvimentos durante a Presidência Portuguesa. Se um entendimento de princípio com a China quanto a um Acordo de Investimento foi concluído ainda no decurso da Presidência Alemã, espera-se agora a conclusão de um novo acordo comercial com o México e avanços importantes no processo político relativo ao acordo recentemente concluído com o Mercosur, bem como nas negociações comerciais com a Austrália e a Nova Zelândia.
 
5. Uma Conferência sobre o Futuro da Europa, para uma Europa mais democrática
 
Caberá, ainda, à Presidência Portuguesa a complicada tarefa de lançar a Conferência sobre o Futuro da Europa, uma iniciativa que consta do programa da Comissão Europeia, liderada por Ursula von Der Leyen, e que tem o apoio claro do Parlamento Europeu. Infelizmente, a Presidência Alemã não conseguiu consensualizar a posição do Conselho sobre a organização desta conferência, a começar logo pela sua arquitetura institucional e liderança. Caberá, pois, à Presidência Portuguesa superar este incompreensível impasse, de forma a permitir a organização da sessão de abertura e o avançar do processo. Certo é que, em apenas seis semanas, a Presidência Portuguesa conseguiu já obter o que a Presidência Alemã infelizmente não conseguiu em seis meses: um consenso no Conselho para uma proposta de organização da Conferência assente num modelo de envolvimento e responsabilização, em pé de igualdade, dos próprios Presidentes das três instituições europeias: Conselho, Comissão e Parlamento Europeu. É, sem dúvida, um passo muito positivo que pode abrir caminho, finalmente, para o acordo interinstitucional necessário ao desbloquear da Conferência sobre o Futuro da Europa.
 
A ideia, como é sabido, é promover um amplo debate público sobre o futuro da Europa, aberto à participação dos cidadãos. Sem resultados estabelecidos à partida, esse debate será o que os cidadãos quiserem que seja, incidindo sobre as prioridades estratégicas da União Europeia ou também sobre as reformas institucionais necessárias para uma Europa mais eficiente e mais democrática. A uma fase participativa, em que as instituições europeias estarão essencialmente em “modo de escuta”, seguir-se-á uma fase deliberativa em que, beneficiando do debate público, as instituições europeias deverão assumir as suas responsabilidades e exercer plenamente a sua legitimidade democrática na definição de opções que correspondam, realmente, à expetativa dos cidadãos.
 
Naturalmente, as circunstâncias da pandemia, limitando fortemente a possibilidade de reuniões físicas, obrigará a formas criativas de participação dos cidadãos, com um amplo recurso aos meios de participação “online”. Porventura, a própria organização do evento terá de ser ajustada a estas difíceis circunstâncias e prolongar-se para lá do calendário inicialmente previsto. Em todo o caso, a Conferência para o Futuro da Europa não deixa de ser uma excelente oportunidade de convocar os cidadãos para o debate europeu, em direção a uma Europa mais participada e mais democrática.
 
Conclusão
 
Apesar das enormes dificuldades do momento - aquilo a que chamei a tempestade imperfeita - a verdade é que, com os passos que têm vindo a ser dados e com as prioridades assumidas pela Presidência Portuguesa, a União Europeia tem hoje, paradoxalmente, uma excelente oportunidade de promover o reencontro entre o projeto europeu e as expetativas legítimas dos seus cidadãos - e nada seria mais importante para dar a resposta necessária ao populismo eurocético e xenófobo que ataca os valores europeus e ameaça a construção europeia.
 
Com efeito, este amplo leque de poderosas iniciativas políticas na direção certa - combate coordenado à pandemia; resposta forte e solidária à crise económica e social; atenção renovada à justiça social, à pobreza e às desigualdades; revisão das prioridades estratégicas e reforma realista das instituições europeias e do Euro para um funcionamento mais eficiente e mais democrático - pode configurar, no seu conjunto, um movimento de grande alcance para a renovação do projeto europeu.
 
Portugal tem, como é sabido, uma notável tradição de sucesso nas suas Presidências, que deixaram na história europeia marcas muito significativas, com especial destaque para a Estratégia de Lisboa, no ano 2000, e para o Tratado de Lisboa, em 2007. Agora, é de novo com grande ambição que Portugal assume o comando dos destinos europeus e adota o lema “Tempo de Agir”. Oxalá esse lema mobilize a Europa para fazer o que deve ser feito de modo a vencer a tempestade. 

 

Artigo publicado na revista Res Publica, número 2, julho de 2021.