Nasceu na segunda-feira e já tem nome: chama-se “união”. De seu nome completo, “união orçamental”. Para os amigos, “união de estabilidade”.

O padrinho, dizem, preferia chamar-lhe "compacto orçamental" mas não soava tão bem e, afinal, manda quem pode. Os pais da criança, é claro, confessaram-se radiantes e sorriram para os ‘flashes' das fotografias. Merkel e Sarkozy, simpaticamente, convidaram os amigos para a festa de apresentação. Um bonito gesto. Naturalmente, vieram todos. Ninguém podia faltar a tão feliz ocasião e um convite destes não se recusa. Como sempre acontece, os amigos trataram de encontrar parecenças. Sai ao pai ou sai à mãe? A opinião foi unânime: é a cara chapada da mãe.

Depois surgiram os primeiros desentendimentos. A começar pelo nome próprio do rebento - que, lamentavelmente, não convenceu. Por uma razão simples: porque é impróprio. De facto, chamar "união", ou até "união orçamental", ao que foi proposto no início da semana por Merkel e Sarkozy - em cimeira, aliás, rigorosamente privada e exclusiva - é querer "vender gato por lebre".

Pode ser que, nas actuais circunstâncias, a força político-económica desta lenta "locomotiva" franco-germânica esteja em condições de impor, ao menos aos parceiros do euro, boa parte do seu sistema de "disciplina orçamental reforçada", feito de regras rígidas (de preferência inscritas nos tratados e nas constituições, como se lavradas em pedra), vigilância externa, transferências selectivas de soberania e sanções automáticas. Mas seria uma perigosa ilusão confundir o regresso à rigidez do velho pacto de estabilidade, agora em versão mais musculada, com a instituição dos mecanismos, democraticamente legitimados, de integração política em matéria de governação económica e orçamental que reconhecidamente faltaram, desde o início, na construção do euro - e que tantos têm identificado como uma das suas principais debilidades sistémicas.

Não há como fugir ao problema de fundo: hoje todos reconhecem a natureza sistémica da crise das dívidas soberanas na zona euro mas muitos divergem quanto à identificação concreta da falha sistémica que é necessário corrigir para devolver tranquilidade aos mercados. Manifestamente, para Merkel a chave resume-se à imposição de uma reforçada "disciplina orçamental" - e aí a vemos, imagine-se, a acusar os que defendem alguma das variantes de ‘eurobonds' ou um BCE com funções de "credor de último recurso" de não estarem a "compreender a crise". Como se a sua alternativa - a reafirmação, em tom mais solene, de regras que já existem, acompanhada da criação de um sistema de sanções mais "intimidatório" - pudesse, só por si, fazer a diferença nestes mercados em polvorosa!

Sem dúvida que a responsabilidade orçamental tem sempre de fazer parte da equação. Mas uma mera "disciplina orçamental reforçada" ficará sempre longe de suprir as falhas sistémicas de governação económica na zona euro e fará muito pouco pela confiança. Porque, em bom rigor, não poderá garantir resultados. Só pode assegurar mais austeridade e mais recessão.

Bem sei, há ainda a regra não escrita. Aquela que acena com a contrapartida de um "fechar de olhos" alemão para permitir ao BCE, seja lá em que esquema for, uma maior intervenção de emergência nos mercados, sobretudo em defesa da Espanha e da Itália, não se sabe muito bem até quando e até onde. Bem vistas as coisas, é nessa misteriosa regra não escrita que, em segredo, todos ainda vão depositando alguma esperança, pelo menos como forma de comprar algum tempo de acalmia em plena tempestade. Mas não podia haver melhor reconhecimento de que o problema sistémico da zona euro é outro. E de que melhor seria uma verdadeira união, tão responsável como solidária. Que fizesse toda a força que é preciso, na direcção certa.

 

Artigo publicado no Diário Económico