Ainda sob os efeitos de dois terramotos traumáticos, o Brexit e a vitória de Trump, paira já sobre o projeto europeu um novo e assustador "alerta de tsunami". Um relatório recente do Banco Central Europeu, dito de "estabilidade financeira", não faz a coisa por menos e alerta para o risco de um "grave choque de confiança" nas economias da Zona Euro, suscetível de gerar uma "correção abrupta" nos mercados.

Vem isto a propósito, é claro, do referendo deste domingo em Itália, que decorre sob o pano de fundo da fragilidade do sistema financeiro italiano, mas também da ameaça de crescimento da extrema-direita e do populismo no ciclo eleitoral que se inicia este fim de semana com as presidenciais na Áustria e prossegue, depois, em vários países nucleares do projeto europeu, como a Holanda, a França e a Alemanha.

O mínimo que seria de esperar das lideranças europeias, perante tão dramáticos desafios, era um esforço sério de compromisso para uma resposta política rápida e à altura das circunstâncias. Se tivessem entendido o que está em causa, as lideranças europeias estariam agora a procurar realinhar o projeto europeu com os anseios dos cidadãos, devolvendo-lhe a ambição elementar da convergência e da prosperidade. Todavia, por incrível que pareça, e apesar de toda a gravidade do momento, a infindável cegueira dos adeptos da "linha dura" austeritária insiste em constituir-se como "força de bloqueio" de qualquer passo significativo na direção certa: boicotam qualquer tentativa para corrigir as deficiências da construção do euro e travar a especulação nos mercados de dívida soberana; recusam-se liminarmente, sob a liderança de Schäuble, a dar seguimento ao apelo da Comissão Europeia para uma política orçamental ao menos "moderadamente" expansionista e, como se não bastasse, quando o BCE se assume como "bombeiro de serviço" abrem fogo sobre os alegados "excessos" da atual política monetária expansionista.

Para a União Europeia ser capaz de resolver as suas múltiplas crises existenciais e enfrentar os riscos de turbulência que se advinham no horizonte, há, sem dúvida, uma lista imensa de coisas importantes para fazer. Mas nenhuma tarefa é mais urgente e decisiva do que derrotar a "linha dura" que bloqueia o futuro do projeto europeu.

 

Artigo publicado no Jornal de Notícias