Ao fim de apenas um ano, o Governo de António Costa, com apoio das esquerdas, afirmou-se como uma solução governativa que funciona e que garante estabilidade política e social. Mas o seu feito maior é outro e mais importante: António Costa provou que é possível "virar a página da austeridade" sem entrar em rutura com as regras do euro. E este facto é da maior importância não só para para Portugal como também para o debate europeu.

Para as famílias portuguesas, a mudança de Governo operada há um ano fez toda a diferença, quer através da recuperação dos rendimentos, quer por via do expressivo aumento das oportunidades de emprego - hoje há mais 86 mil portugueses com emprego do que havia há apenas 12 meses. Todavia, apesar de não austeritária, a política económica e orçamental do Governo socialista foi prosseguida de modo responsável por forma a respeitar as regras europeias. Resultado: o Governo obteve o défice mais baixo de toda a história da democracia portuguesa.

Perante um desempenho tão convincente, a que se junta agora um crescimento da economia sem paralelo na Zona Euro, a própria Comissão Europeia, onde pontifica ainda uma influente "linha dura" fiel à política de austeridade, viu-se forçada a reconhecer os resultados alcançados: por entre rasgados elogios, a Comissão deu "luz verde" ao Orçamento para 2017 e decidiu cancelar as sanções pelo incumprimento das regras do défice por parte do Governo de Passos Coelho.

Em tempo de aniversário, estes e outros sucessos do Governo de António Costa têm vindo a ser reconhecidos pela generalidade dos observadores e até pelo próprio presidente da República. Mas outro aspeto merece destaque: o impacto da experiência governativa portuguesa no debate sobre o futuro da política orçamental europeia. Na verdade, o caso português está a dar nas vistas e é hoje mais um argumento poderoso a favor de um "virar de página" da austeridade também à escala da Zona Euro. E esse debate vai fazendo o seu caminho: esta semana, ao fim de anos de ortodoxia austeritária e ao arrepio das suas próprias recomendações de julho passado, a Comissão Europeia teve a ousadia de propor uma política orçamental "moderadamente" expansionista para 2017. Wolfgang Schäuble, o ministro das Finanças alemão, que já tinha mostrado desagrado com a política do Governo português e com a política monetária expansionista do BCE, não escondeu a sua fúria perante tamanha heresia da Comissão Europeia. Bem se percebe tanto desespero: de repente, parece que já ninguém lhe obedece.

 

Artigo publicado no Jornal de Notícias