Esta semana, mais uma vez, parecia que o céu ia desabar sobre a zona euro. Toda? Toda não. Enquanto a zona euro vivia um terrível período de turbulência - com o resgate da Espanha, a pressão crescente dos mercados sobre a Itália e Chipre e a subida dos juros de vários países - a Alemanha, tranquilamente, foi aos mercados financeiros colocar a sua dívida pública a uma taxa de juro… negativa!

Quer dizer: os investidores fogem da dívida soberana dos países sob maior pressão, estrangulando insuportavelmente as suas condições de financiamento e, ao mesmo tempo, até pagam (!) só para emprestar dinheiro à Alemanha e beneficiar da segurança inerente a essa aplicação financeira.

Será talvez altura de pôr de lado, de uma vez por todas, a fantasiosa narrativa germânica de uma Alemanha austera porque disciplinada e sofredora porque encarregue dos custos da indisciplina dos outros. A verdade é bem diferente: depois de ter sido a primeira a violar as regras de disciplina orçamental, a Alemanha reunificada foi a principal beneficiária da criação de um euro forte (que proporcionou às suas exportações um mercado europeu de capacidade reforçada) e é agora, uma vez mais, a principal beneficiária, no curto prazo, desta crise das dívidas soberanas na zona euro.

Que não haja ilusões: o atraso crónico e a exasperante fragilidade das respostas europeias à crise das dívidas soberanas têm uma explicação incontornável: os interesses imediatos da Alemanha, tal como interpretados pela Srª Merkel numa lógica de curto prazo e sustentados na moderna vulgata ideológica liberal e no mais básico calculismo eleitoralista.

O que não é crível é que a Alemanha não tenha dado por nada: que não se tenha dado conta que a austeridade não cumpriu o objectivo prometido de "acalmar os mercados"; que não se tenha apercebido do fracasso das sucessivas tentativas de conter os efeitos de contágio desta crise; que não tenha entendido, apesar das evidências, a natureza sistémica da crise instalada na zona euro e que não saiba da absoluta insuficiência das respostas dadas a nível europeu. Reinstalada a recessão, com o desemprego a atingir valores socialmente insuportáveis e com a especulação financeira ainda triunfante nos mercados, a ponto de fazer cair os países do euro uns atrás dos outros, é o projecto europeu, como projecto solidário de prosperidade, que está ameaçado.

Tivesse a actual governação alemã uma compreensão da importância do projecto europeu, incluindo para os interesses da Alemanha no longo prazo, e não precisaria de mais nada para mudar de rumo. Mas isso implicaria aderir às palavras sábias de Helmut Schmidt, no Congresso do SPD do ano passado: "Nós, alemães, também não conseguimos sozinhos a grande reconstrução e o reforço da nossa capacidade de produção nos últimos seis decénios. Elas não teriam sido possíveis sem a ajuda das potências vencedoras ocidentais, sem a nossa inclusão na comunidade europeia e na aliança atlântica, sem a ajuda dos nossos vizinhos, sem a mudança política na Europa de Leste e sem o fim da ditadura comunista. Nós, alemães, temos razões para estarmos gratos. E, simultaneamente, temos a obrigação de nos mostrarmos dignos dessa solidariedade através da solidariedade com os nossos vizinhos!".

A proximidade do abismo, acreditam alguns, acabará por impor uma resposta mais efectiva da Alemanha, também ela afinal prejudicada pela recessão na zona euro e pelo seu próprio abrandamento económico. Mas, na falta de um horizonte político de longo prazo, isso implicaria a adesão da Alemanha a uma outra leitura dos seus interesses de curto prazo. Talvez por isso, os sinais indicam que, antes ainda de fazer o que é preciso, a Alemanha vai primeiro fingir que faz alguma coisa. Vem aí mais uma cimeira histórica.

 

Artigo publicado no Diário Económico