As eleições são sempre um tempo de avaliação do desempenho do Governo e das alternativas políticas para o futuro. Mas ambas as questões convergem numa única pergunta: esta continuidade serve?

Por razões que bem se compreendem, Passos e Portas pedem-nos que votemos sem "ressentimentos". Descodificando, o que nos pedem é que esqueçamos que ambos os partidos da coligação de direita nos enganaram na campanha eleitoral de 2011, precipitando o país numa crise política irresponsável e prometendo aos eleitores, aos contribuintes e aos pensionistas o que nunca tencionaram cumprir; que esqueçamos a sua desastrosa estratégia de empobrecimento, feita de enormes aumentos de impostos e de brutais cortes nos salários, nas pensões e nos serviços públicos; que esqueçamos o erro tremendo que foi a opção pela austeridade "além da ‘troika'", com o seu rasto devastador de 219 mil empregos destruídos, milhares de jovens que tiveram de emigrar e muitas famílias destroçadas, adiadas ou sem filhos; que esqueçamos o desinvestimento absurdo e míope na Ciência, nas qualificações e nas principais alavancas de crescimento da economia; que esqueçamos a sucessão de privatizações em marcha forçada, que destruíram ou passaram para mãos estrangeiras o que restava dos "centros de decisão nacional"; e, finalmente, que esqueçamos que tudo isto, feito em nome do ajustamento estrutural da economia e da redução da dívida pública, deixou afinal a economia estruturalmente mais fraca e conduziu ao maior aumento da dívida pública de sempre. 

Por improvável que seja, Passos e Portas apostam no esquecimento colectivo e esperam que um bom "marketing" eleitoral (assente na constante repetição da sua falsa narrativa da crise e no empolamento de uns quantos indicadores económicos, à boleia da intervenção do BCE e dos ventos favoráveis da conjuntura internacional) consiga fazer o resto: criar, por tempo suficiente, uma ilusão de sucesso que se sobreponha à evidência do seu fracasso.

Vai nesta estratégia eleitoral uma dupla mistificação. A primeira, diz respeito à democracia; a segunda, diz respeito à economia. A primeira mistificação, em nome de uma votação "sem ressentimentos", pretende um autêntico "apagão" do incumprimento das promessas eleitorais pelos partidos da direita, como se o facto de terem escondido dos eleitores a estratégia central que executaram no Governo - a estratégia de empobrecimento - não configure uma intolerável burla política, merecedora de severo julgamento democrático em legítima defesa da própria democracia. A segunda mistificação, porventura ainda mais perigosa, parte da ilusão do "sucesso" económico para afirmar, sem mais ambições, que o caminho certo é a ditosa "continuidade".

O que nos devolve à pergunta: afinal, esta continuidade serve ou devemos procurar uma alternativa melhor? Servirá, certamente, para uns quantos fiéis devotos da "austeridade expansionista", agora entusiasmados com a perspectiva de um novo corte de 600 milhões de euros nas pensões e com a promessa de um plafonamento que abra caminho para a privatização parcial da Segurança Social à custa da sustentabilidade do sistema público. Mas fora esse grupo de crentes fervorosos, cuja fé inabalável sobrevive a todas as evidências, esta continuidade cinzenta, sem futuro nem esperança, só poderá servir a quem se resigne à fatalidade de um destino nacional de continuado empobrecimento e persistente decadência. Para concluir que não tem de ser assim, não é preciso nenhum especial "ressentimento" - embora não lhe faltassem razões. Basta olhar com olhos de ver para os resultados desastrosos da austeridade "além da ‘troika'" e perceber a extrema urgência do maior desafio que o paísenfrenta: estancar imediatamente o dramático êxodo dos seus jovens e dos seus melhores quadros. É por isso que a continuidade não serve e é tempo de uma alternativa política, capaz de um novo ciclo de esperança e de recuperação económica. Com uma certeza: não podemos aceitar que o nosso futuro seja falarmos com os nossos filhos apenas via "skype".

 

Artigo publicado no Diário Económico