A Direita portuguesa tem tentado passar a ideia, em larga medida fantasiosa, de que a convergência entre a extrema-esquerda e a extrema-direita é tanta que os apoiantes de Mélenchon se preparam, com a cumplicidade do próprio, para votar em Le Pen na segunda volta das presidenciais francesas. Sucede que esta ideia é mais ditada pela ânsia de arranjar uma farpa para consumo político interno do que por uma análise séria das tendências conhecidas do eleitorado.

As sondagens divulgadas nos últimos dias não deixam margem para dúvidas: apenas 9% a 16% (os números variam consoante as sondagens) dos votantes em Mélenchon admitem votar em Le Pen na segunda volta, enquanto são mais de 30% os eleitores de centro-direita que votaram em Fillon e que dizem ir votar agora na candidata da Frente Nacional. Portanto, ao contrário do que a nossa Direita tenta fazer crer, na segunda volta Le Pen conta muito mais com os eleitores do centro-direita do que com os eleitores da extrema-esquerda, embora vá tentar seduzir também o eleitorado esquerdista pela simples razão de que precisa de todos os votos que puder arranjar para diminuir a diferença que a separa de Macron (1 milhão de votos) e compensar a dinâmica da "frente republicana" que se ergue contra si.

Dito isto sobre a tentativa da Direita, é preciso denunciar o erro político de Mélenchon ao não assumir que só há uma forma de garantir a derrota de Le Pen: votar Macron, mesmo não subscrevendo o seu programa político (como acontece, aliás, sempre que o candidato da nossa preferência não chega à segunda volta). Impressiona a ligeireza com que alguns à Esquerda mostram uma enorme relutância em sugerir o voto em Macron porque "só" partilham com ele o respeito pelas liberdades cívicas - como se o valor das liberdades cívicas, pelas quais tanta gente deu a vida na longa luta pelos direitos humanos e pela democracia, não fosse razão mais do que suficiente para ir votar de modo a derrotar o nacionalismo xenófobo! O tempo para confrontar o programa de Macron com as nossas preferências foi a primeira volta. Agora, o tempo é de congregar forças para garantir o mais importante: a derrota de Le Pen.

Quando o que está em causa é saber se a liderança da França fica entregue a Macron ou à líder da extrema-direita nacionalista, não creio que possa existir uma dúvida razoável. Oxalá aqueles que encolhem os ombros diante desta escolha não venham a sentir a mesma desilusão que sentiram os jovens britânicos que não foram votar no referendo do Brexit e depois descobriram que ficaram fora da União Europeia ou dos eleitores de Bernie Sanders que, por não simpatizarem com Hillary Clinton, ficaram em casa no dia das eleições e acordaram no dia seguinte muito espantados por verem Donald Trump na Casa Branca.