Pronto, é oficial: Gaspar estatelou-se. Depois de ano e meio a teimar na sua absurda política de austeridade "além da troika", o ministro das Finanças teve de assumir o fiasco e o choque frontal com a realidade da espiral recessiva e do desemprego. Falhou nas políticas, falhou nas previsões, tinha de falhar nos resultados. Entretanto, o mal está feito: o erro de Vítor Gaspar pôs a economia em recessão profunda e atirou 250 mil portugueses para o desemprego em apenas dezoito meses.

Já em 2012, convém lembrar, Gaspar fez o Orçamento em três tentativas (o inicial e dois rectificativos) e falhou em todas. Incapaz de prever a queda abrupta da procura interna e das receitas fiscais (resultante das suas próprias medidas de austeridade), surpreendido por uma recessão e um desemprego acima do que lhe dizia o modelo académico resumido na sua folha de Excel e nos seus famosos "documentos de suporte", Vítor Gaspar deixou de conseguir disfarçar o fiasco a partir de meados do ano. Foi a evidência desse fiasco (constatada na 5ª avaliação) que forçou a "troika" a adiar para este ano a meta de redução do défice para 4,5%. Mas nem assim Vítor Gaspar conseguiu cumprir o objectivo de redução do défice. Por consequência, "transitou" para 2013 o "desvio colossal" registado na execução de 2012, tornando mais longínqua a meta do défice deste ano. Foi justamente para "resolver" esse problema que o ministro das Finanças teve a brilhante ideia do "enorme aumento de impostos", que nunca esteve previsto no Memorando inicial da "troika" e muito menos nas promessas eleitorais dos partidos da maioria.

Este ano, não foi preciso esperar tanto. Antes ainda do fim de Fevereiro, e muito antes dos dados da execução orçamental do 1º trimestre, já o ministro das Finanças, confrontado com os números da recessão e do desemprego do 4º trimestre do ano passado, teve de reconhecer que o cenário macroeconómico do Orçamento para 2013 estava de rastos: a recessão vai ser o dobro do previsto e o desemprego será ainda pior do que o estimado. O resto, já se sabe: as receitas fiscais e a despesa com subsídios de desemprego vão falhar os valores orçamentados. E Vítor Gaspar falhará outra vez a meta do défice.

Pressionado pelos factos, o Ministro das Finanças dispõe-se agora a dar o dito por não dito: já admite rever o ritmo do ajustamento; já quer alterar as metas e os calendários; já se dispõe a pedir mais tempo à "troika; já reconhece que "mais tempo" não implica mais dinheiro; já não garante o corte de quatro mil milhões de euros até 2014 e até já requereu igualdade de tratamento face à Grécia na assistência financeira. A pirueta é monumental.

Todavia, é preciso cautela. Confundir estes acertos de emergência no programa de ajustamento com uma verdadeira alteração de política seria uma precipitação e um erro grave. Bem vistas as coisas, o ministro das Finanças não anunciou até agora nada de muito diferente do que já fez no ano passado, quando as coisas deram para o torto: rever as metas do ajustamento à medida do seu fracasso. Ora, uma coisa é alterar as metas simplesmente para acomodar derrapagens e minorar as medidas adicionais de austeridade, outra bem diferente seria rever essas metas de modo a conquistar espaço para medidas de apoio ao crescimento e ao emprego. É por isso que a notícia da semana não foi a mudança de política do Governo - que está longe de estar confirmada - mas sim o reconhecimento pelo ministro das Finanças do fracasso orçamental e económico da sua política de austeridade "além da troika".

Apesar da sua obsessão ideológica, Vítor Gaspar não deixa de ser um economista bem preparado, cujos méritos ninguém põe em causa. Mas quando chegou ao Governo foi recebido com aquele ar provinciano com que alguns ainda olham para tudo o que vem de fora. Ele nem era bem português, mas um estrangeirado. O País, na sua infinita ignorância, desconhecia-o, mas o Mundo civilizado, alegadamente, venerava-o e só por distração não o tinha ainda premiado com o Nobel da Economia. Apesar de ministro, ele não era bem um político (coisa detestável) mas um "técnico" (coisa maravilhosa). E se não impressionava propriamente pelo que dizia, tinha uma característica muito marcante: falava devagar. Vinte meses depois, está confirmado: o ministro fala, realmente, devagar. Infelizmente, estatelou-se depressa.

 

Artigo publicado no Diário Económico