Ao pedir a fiscalização preventiva da lei de convergência das pensões, num requerimento oportuno mas com parca fundamentação, o Presidente da República cumpriu o seu dever apenas pela metade.

Felizmente, o Tribunal Constitucional não está confinado aos argumentos invocados pelo Presidente.

Apesar de saudado pelos críticos da proposta do Governo, o requerimento do Presidente não deixou de causar alguma perplexidade. Na verdade, toda a argumentação assenta em apenas dois tópicos: em primeiro lugar, o corte coativo, unilateral e definitivo das pensões é um imposto ou, quando muito, uma figura tributária especial ou parafiscal de natureza análoga, pelo que deveria respeitar as regras constitucionais dos impostos (princípios da unidade do imposto sobre o rendimento, da capacidade contributiva, da progressividade, da universalidade e da igualdade), o que não acontece; em segundo lugar, o corte das pensões, produzindo efeitos que configuram uma retroactividade "inautêntica" ou retrospectividade, ofende o princípio da confiança, quando conjugado com o princípio da proporcionalidade.

A primeira linha de argumentação, embora válida e coerente com anteriores posições do Presidente da República, depara-se com um óbice conhecido: o Tribunal Constitucional já rejeitou a aplicação dos princípios do sistema fiscal ao não considerar inconstitucional a Contribuição Extraordinária de Solidariedade sobre as pensões (apesar de a classificar como "tributo parafiscal"). Quanto à segunda linha de argumentação, se é verdade que o requerimento demonstra que o corte das pensões frustra expectativas legítimas dos cidadãos, fomentadas pelo próprio Estado e ao abrigo das quais os beneficiários fizeram os seus planos de vida, é notório que, no ponto decisivo relativo ao princípio da proporcionalidade (em que se trata de verificar se o sacrifício das expectativas apesar de tudo se impõe por razões justificadas de interesse público e de necessidade, contendo-se dentro dos limites da "proibição do excesso"), o Presidente limita-se a enunciar a necessidade de o Tribunal apurar se tal sacrifício é compatível com um "juízo de proporcionalidade", dispensando-se de apresentar, ele próprio, quaisquer argumentos. O mais que se encontra é a chamada de atenção para o facto de a iniciativa do Governo pretender acelerar a convergência com efeitos imediatos, sem sequer uma regulamentação de transição que permitisse uma redução suficientemente suave ou progressiva, o que suscita de novo a questão da necessidade mas agora quanto ao carácter "súbito" da alteração proposta.

Ora, conhecendo a jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional, além de convocar os princípios constitucionais próprios do sistema fiscal e o princípio da confiança, conjugado com o princípio da proporcionalidade, é óbvio que teria feito todo o sentido invocar a violação autónoma do princípio da igualdade, na sua vertente de igualdade proporcional, já que o que está em causa, antes do mais, é a distribuição injusta dos encargos públicos que decorre do facto de se pretender que sejam os actuais pensionistas da CGA a financiar a sustentabilidade financeira de um sistema cujo desequilíbrio resultou de um vasto conjunto de medidas de política tomadas em benefício de todos os contribuintes e das contas públicas em geral. Do mesmo modo, teria sido útil que o Presidente tivesse sublinhado que, no tal juízo de proporcionalidade e de proibição do excesso, é preciso ter em conta que o corte proposto atinge pensões logo a partir dos 600 euros e afecta pensionistas que estão já onerados por outras gravosas medidas de austeridade. Tal como teria sido pertinente questionar se é legítimo o Governo invocar a necessidade absoluta de uma medida tão gravosa quando ao mesmo tempo declara ter margem orçamental para optar pela redução do IRC para as grandes empresas. Mais: tendo o Presidente argumentado que a proposta do Governo configura um imposto "definitivo", bem que podia ter-se lembrado de tirar todas as consequências desse carácter não transitório do corte das pensões ou, pelo menos, da sua anunciada vigência para lá da situação de excepcionalidade financeira.

Felizmente, as omissões do Presidente não vinculam ninguém. O facto de o Presidente ter cumprido o seu dever pela metade não impede o Tribunal Constitucional de cumprir o seu dever por inteiro.

 

Artigo publicado no Diário Económico