Quando estão anunciadas medidas que marcarão decisivamente o futuro do País e está tudo por consensualizar (dentro e fora do Governo) quanto ao dia de amanhã, o Presidente da República preferiu mudar de assunto e convocou o Conselho de Estado para falar de “bugalhos”.

A pergunta que ocorre fazer é esta: porque é que a actualidade não é tema que convenha ao Presidente?

Comecemos por desfazer um equívoco crónico: o Conselho de Estado não é um órgão de consulta do Governo, é um órgão de consulta do Presidente. E não é o Presidente que governa, nem agora nem no "pós-‘troika'". Ora, não cabendo ao Presidente definir a estratégia de governação do País, nem presente nem futura, não se percebe que tenha de ser aconselhado sobre ela.

Coisa diferente, e mais compreensível, seria o Presidente usar a sua magistratura de influência para promover processos de concertação política e social sobre a estratégia de desenvolvimento do País, que cabe ao Governo definir. Mas nem o Conselho de Estado foi convocado para discutir propriamente os "processos de concertação", nem dele saiu nenhum impulso conhecido a uma dinâmica concreta de consensualização de uma estratégia "pós-‘troika'". A conclusão só pode ser uma: o Conselho de Estado foi um fiasco. Não passou de uma tentativa falhada de mudar de assunto.

Mas, afinal, mudar de assunto porquê? A resposta, creio eu, está nas quatro mensagens implícitas na surpreendente agenda fixada pelo Presidente (a discussão do "pós-‘troika'"). Todas essas mensagens são erróneas mas todas elas são também favoráveis ao Governo.

A primeira mensagem é a própria ideia de que a 7ª avaliação já está, como disse o Presidente, "para trás das costas" - como se o assunto estivesse arrumado, abrindo espaço para que as atenções se concentrem no futuro. Nada mais falso: nem o Governo sabe ainda concretizar com rigor muitas das medidas de austeridade pressupostas na 7ª avaliação, nem sobre elas se estabeleceu qualquer concertação política e social ou sequer um consenso firme dentro do próprio Governo. Parece evidente que a prioridade do Presidente da República deveria ser enfrentar a complexa realidade de hoje.

A segunda mensagem que resulta da agenda futurista do Presidente é a ideia de que, fechada a 7ª avaliação, a ‘troika' está de saída - como se isso estivesse já ali, ao virar da esquina. A verdade é outra: não só o programa acordado pelo actual Governo com a ‘troika' implica novas medidas brutais de austeridade que têm ainda de ser consagradas no Orçamento Rectificativo de 2013 e no Orçamento para 2014, como o grau de destruição da economia causado pela espiral recessiva, com os seus reflexos no agravar da dívida pública (127,3% do PIB), deixarão o País sem condições para um regresso sustentável aos mercados e, portanto, à mercê de um qualquer sucedâneo da actual ajuda externa, com ou sem ‘troika'.

A terceira mensagem que se esconde na agenda fixada pelo Presidente - e porventura a mais enganadora - é a ideia de que pode haver dois debates distintos: um, que está na ordem do dia, sobre as medidas de austeridade; outro, de que agora se lembrou o Presidente, sobre o "pós-troika". A distinção, porém, não faz sentido: como não pode deixar de saber quem se disse preocupado com a espiral recessiva, a situação do País no "pós-‘troika'" será profundamente determinada pelas medidas que forem aplicadas agora.

Finalmente, da agenda do Presidente decorre a mensagem implícita de que este é o momento para começar a discussão sobre a estratégia para o período pós 2014. Mas deve haver nisso algum lapso: como é certamente do conhecimento do Palácio de Belém, o Governo já aprovou e entregou em Bruxelas o Documento de Estratégia Orçamental para 2013-2017, cujas metas orçamentais condicionam decisivamente qualquer estratégia no período "pós-‘troika'". E fê-lo sem qualquer prévio diálogo político ou social, justificando merecidas críticas dos partidos da oposição e dos parceiros sociais. Só não se ouviu o Presidente da República.

 

Artigo publicado no Diário Económico