Paulo Portas traçou uma fronteira e disse que nunca a iria passar. Depois, já se sabe, passou-se. A encenação populista, pensada para ser drama, acabou em farsa. Mas está ainda por derrubar o biombo que Portas construiu para esconder tudo aquilo que aprovou.

O homem, reconheça-se, é um artista português: deu o dito por não dito quanto a todas as bandeiras do CDS mas pretendia agora reerguê-las como se não se tivesse passado nada. Em dois anos de Governo, o "partido dos contribuintes" dedicou-se com afinco à tarefa de aumentar todos os impostos para lá do previsto no Memorando inicial da ‘troika': da sobretaxa extraordinária no IRS (que levou metade do subsídio de Natal de 2011) à taxa máxima do IVA na energia e na restauração, tudo teve a assinatura do CDS. Sabendo-se em falta, Portas ainda ensaiou um regresso à causa dos "contribuintes" numa carta aos militantes do seu partido em que deixou um aviso tão solene que parecia a sério: "o nível de impostos já atingiu o seu limite", escreveu ele. Falso alarme: pouco depois, no Orçamento para 2013, o CDS contribuía com os seus votos para acrescentar à carga fiscal um "enorme aumento de impostos" (incluindo um aumento do IRS em 30%).

Os pensionistas também têm contas a ajustar com o CDS: a assinatura do "partido dos pensionistas" ficou inscrita na Contribuição Extraordinária de Solidariedade e no corte das pensões acima dos 600 euros, que implicou para muitos reformados a perda do 13º e do 14º mês. A coisa chegou a tal ponto que o Tribunal Constitucional teve de intervir. Por duas vezes. E vem aí mais do mesmo.

Apesar da barafunda instalada na comunicação política do Governo, sabe-se agora o que o CDS, o PSD e o ministro não eleito Vítor Gaspar andaram a preparar naqueles longos Conselhos de Ministros: mais um violento pacote de austeridade (da ordem dos 4800 milhões de euros até 2015) em que os alvos preferenciais são, de novo, os funcionários públicos e os pensionistas.

Apanhado novamente em rota de colisão com as suas promessas, Portas percebeu que o momento requeria um número especial de ilusionismo e lembrou-se do "truque" mais velho que há em política: o biombo. E se bem o pensou, melhor o fez: num vasto pacote de medidas, de 4800 milhões de euros, centrou as atenções numa só medida, de apenas 436 milhões; deu-lhe uma designação mediática e odiosa ("a TSU dos pensionistas") e fez fogo sobre ela, sem dó nem piedade, encenando um desafio público ao Primeiro-Ministro, ao Ministro das Finanças e à própria estabilidade política. Tudo, é claro, em nome dos pensionistas e de uma outra promessa feita aos militantes: "não deixarei o CDS sem identidade".

O episódio seguinte é bem conhecido e não acabou bem: Portas tornou a dar o dito por não dito e aceitou que a tenebrosa "TSU dos pensionistas" figurasse no "menú" do Governo como "medida de último recurso". A fronteira imaginada por Portas revelou-se isso mesmo: imaginária. Mas não deixou por isso de permanecer no centro das atenções e de desempenhar, do ponto de vista político, a sua prestimosa função de biombo.

A verdade é que no "menú" adoptado pelo Governo (é assim que o primeiro-ministro lhe chama) constam outras medidas bem mais violentas, como é o caso do corte retroactivo das actuais pensões da Caixa Geral de Aposentações (a pretexto da alegada convergência entre o regime da CGA e o regime geral da Segurança Social). Só com essa medida, que não é transitória, o Governo pretende retirar aos reformados 740 milhões de euros já no próximo ano - quase o dobro do previsto com a famigerada "TSU dos pensionistas".

E que não haja equívocos: o corte retroactivo das pensões não afecta só os actuais pensionistas da função pública. Atinge todos: pensionistas do sector público e do sector privado, actuais e futuros. Por uma razão simples: qualquer corte retroactivo ataca o princípio basilar de todos os sistema de pensões - o princípio da confiança. Ao quebrar esse princípio, o que o Estado está a dizer aos cidadãos é isto: os descontos são obrigatórios, as pensões logo se vê. É esta alta traição aos pensionistas que Paulo Portas quer esconder atrás do seu biombo.

 

Artigo publicado no Diário Económico