Ninguém se lembra da resposta de Passos quando Costa mostrou que o programa lançado pelo Governo para apoiar o regresso dos jovens emigrantes vale zero e não tem um único projecto aprovado. A razão é simples: Passos não respondeu nada. Embatocou e perdeu o debate.

Há uma diferença entre ir para um debate com uma estratégia ou com uma fobia. Acontece que Passos e os seus conselheiros confundiram desastradamente uma coisa com a outra. Cegos do seu ódio doentio a Sócrates, alimentado ao longo de anos pela narrativa distorcida que eles próprios inventaram sobre a crise e a governação socialista - e que ainda hoje inspira um pequeno exército de profissionais pagos para cuspir insultos nas redes sociais e nas caixas de comentários dos jornais - convenceram-se de que bastaria mencionar muitas vezes o nome de Sócrates, a propósito e a despropósito, para ganhar o debate. Erro: não chegou para ganhar o debate. E é pouco provável que chegue para ganhar as eleições. 

Os sinais de que, quatro anos depois, o País não padece da patologia que hoje continua a dominar, de forma obsessiva, o discurso político da direita já tinham sido dados, para quem os quis entender, nas eleições europeias de Junho do ano passado. Se bem se lembram, também aí a coligação de direita, protagonizada por Paulo Rangel e Nuno Melo, resolveu fazer uma campanha de uma nota só, cheia de repetidos e inflamados apelos a uma grande mobilização nacional anti-socrática. Fobias à parte, o acerto dessa estratégia eleitoral pode ser hoje aferido, muito serenamente, à luz dos resultados: a direita, embora unida, teve a pior derrota da sua história. Mas nem as fobias convidam à análise serena da realidade, nem a cegueira do ódio favorece o resistir à tentação de explorar sinergias entre os tempos sobrepostos da política e da justiça. Certo é que, seja lá porque for, Passos, Portas e os seus conselheiros se convenceram de que a fracassada estratégia eleitoral das europeias merecia agora uma segunda oportunidade: "fale muitas vezes do Sócrates", parece ter sido a única recomendação que deram a Passos para o debate que ele perdeu.

A vitória clara de António Costa, conquistada fruto de uma postura assertiva ao longo de todo o debate, consolidou-se ainda mais nos estudos de opinião e nas análises dos comentadores, incluindo os da direita, sendo muito raros os que concederam a Passos, na melhor das hipóteses, um empate. Ora, as coisas são como são: quando até Marcelo Rebelo de Sousa (!) e José Manuel Fernandes (!!) têm de reconhecer nas televisões a vitória de António Costa, essa vitória torna-se um facto político incontornável, que pode ter um enorme impacto nestas últimas semanas de campanha.

António Costa foi eficaz na demonstração de que Passos não merece confiança, depois de ter traído todas as suas promessas eleitorais, sobretudo aos contribuintes, aos funcionários públicos e aos pensionistas; foi certeiro ao recordar o envolvimento do PSD na crise que levou à vinda da "troika" e na negociação do Memorando, bem como na denúncia da austeridade "além da troika" (que demonstrou com um gráfico do próprio Vítor Gaspar); foi demolidor na avaliação dos resultados do Governo, sobretudo ao nível do empobrecimento, da destruição de emprego e do aumento da dívida pública; foi surpreendente e mordaz na invocação do fiasco do Programa VEM como resposta ao drama do êxodo de milhares de jovens para o estrangeiro; foi convincente na defesa da sustentabilidade da segurança social pública e absolutamente claro na crítica quer a um novo corte de 600 milhões nas pensões, quer à aventura da privatização parcial das receitas da segurança social; foi acutilante no desmascarar das ilusões vendidas por Passos Coelho aos investidores e aos contribuintes no caso do BES, bem como no apontar do dedo ao permanente "passa culpas" de Passos ora para os reguladores, ora para os tribunais; por fim, foi convincente no modo como enunciou a sua alternativa de política económica para o crescimento e o emprego, com medidas devidamente estudadas para a recuperação dos rendimentos das famílias e do investimento das empresas, e também na invocação da sua experiência governativa e autárquica, com provas dadas, de quem fez sempre mais do que aquilo que prometeu.

Ao que parece, este debate - que Passos Coelho quis que fosse único - foi visto por mais de 3,3 milhões de portugueses. Quase tantos como os que irão votar no próximo dia 4 de Outubro. Será, então, o povo a decidir, fazendo cumprir a democracia e a República, na véspera do feriado que já não é.

 

Artigo publicado no Diário Económico