Na sua comunicação ao País, o Presidente da República procurou fixar os temas da agenda europeia sobre os quais deve incidir o debate nas próximas eleições para o Parlamento Europeu.

Mas esqueceu-se de referir o tema central que vai a votos: a política de austeridade.

Sejamos claros: o que a direita procura nestas eleições europeias é uma legitimação democrática para a sua política de "austeridade expansionista" e um mandato para a prosseguir na União Europeia (e consequentemente em Portugal) por mais vinte ou trinta anos, agora ao abrigo de uma interpretação radical do Tratado Orçamental. Para isso, a direita sabe que tem de fazer triunfar esta mensagem fundamental: "a austeridade compensa". E é nessa fase de foguetório que estamos. Muito do que temos visto nestes últimos tempos decorre da grandiosa encenação do "sucesso do ajustamento": na Europa, os discursos entusiasmados do Presidente da Comissão Europeia sobre o alegado fim da crise do Euro e a exaltação das "troikas" - imagine-se! - como pretensas "histórias de sucesso"; por cá, a teoria do "bom aluno" que se submeteu ao castigo e entrou, finalmente, no "bom caminho", para além da extraordinária fantasia do suposto "milagre económico" português.

Sucede que a realidade desmente esta visão idílica das coisas. A verdade é que o projecto europeu foi levado até à beira da ruptura pela ausência de uma resposta forte e solidária da União Europeia à crise das dívidas soberanas e por uma política cega de austeridade, desenhada à medida dos interesses de uns contra os interesses dos outros, que agravou profundamente a divergência com as economias da periferia e conduziu a um retrocesso social de proporções históricas, ao mesmo tempo que falhava clamorosamente no seu objectivo central: em vez de diminuir, a dívida pública média da zona euro agravou-se, atingindo hoje os 93% do PIB! No plano nacional, a situação não é melhor e a ideia do "sucesso do ajustamento" é pouco menos do que um insulto diante da devastação causada por três anos consecutivos de recessão, uma taxa de desemprego acima dos 15%, um movimento de emigração em massa e uma dívida pública que, em apenas três anos, se agravou em 51 mil milhões de euros, aumentando de 94 para 130% do PIB.

O pior que podia acontecer é que as escolhas sobre o futuro do projecto europeu não assentassem num debate sério sobre a realidade da situação actual para se fundarem num perigoso equívoco sobre os resultados da política de "austeridade expansionista". É por isso, aliás, que o debate lançado pelo Manifesto dos 70 se afigura tão "inoportuno" para o Governo e para os seus apoiantes, que apostavam tudo na celebração dos seus sucessos imaginários. Porque esse Manifesto assenta, antes do mais, na tomada de consciência a que muito sugestivamente se referiu o Presidente da CIP: "alguém tem de dizer que o rei vai nu".

A ilusão do "sucesso do ajustamento" só é comparável à mistificação sobre o futuro que nos espera se este caminho continuar a ser seguido. Vários cenários têm sido apresentados para demonstrar como o exigente caminho das pedras acabará por conduzir à sustentabilidade da dívida pública, apesar do sério agravamento que ela registou nos últimos anos. O primeiro-ministro tem um cenário, o Presidente tem outro, o FMI tem outro e até o Conselho das Finanças Públicas tem o seu próprio cenário. A ministra das Finanças, essa, não faz a coisa por menos e garantiu esta semana que pode construir "vários cenários", em que uma engenhosa e inédita combinação de crescimento económico, excedentes primários e taxas de juro se conjuga anos seguidos para conduzir à feliz conclusão da sustentabilidade da dívida pública. Cenários todos diferentes, é certo, mas todos iguais: todos irrealistas e todos igualmente destinados ao fracasso.

A questão política central das próximas eleições europeias é esta: a ideologia da "austeridade expansionista", que guiou a União Europeia e o Governo até aqui, não funcionou e não vai funcionar. É preciso, em alternativa, construir uma política orçamental e de gestão da dívida que conquiste espaço para uma agenda de crescimento, de emprego e de coesão, que devolva ao projecto europeu a ambição da convergência económica e social. A estratégia de empobrecimento garante uma única coisa: o empobrecimento. É por isso que é preciso mudar. E a mudança decide-se agora.

Artigo publicado no Diário Económico