Hoje, finalmente, todos reconhecem que a crise das dívidas soberanas na zona euro é sistémica. Já é um progresso. Mas, se a crise é sistémica, o erro na resposta europeia à crise é sistemático.

E assim continuará enquanto não houver a lucidez e a coragem de tirar todas as consequências políticas do reconhecimento da natureza da crise que enfrentamos, ou seja, enquanto os países do euro não derem provas convincentes de que farão tudo o que for necessário para superarem solidariamente esta crise, salvaguardando a integridade e a estabilidade da zona euro - e com ela o próprio projecto europeu.

Reconhecer a natureza sistémica da crise não implica negar a fragilidade estrutural da economia e das finanças públicas dos países mais atingidos, nem ignorar as singularidades da situação de cada um. Tal como não implica pretender a dispensa do rigor e da disciplina orçamental para quem quer que seja. Mas implica abandonar de vez a história da carochinha que a propósito desta crise tem sido contada. E é aí que reside boa parte do problema. Uma crise sistémica só pode ter uma resposta sistémica. Mas não haverá condições políticas para essa resposta se os países da zona euro não partilharem minimamente a compreensão da crise e se não tiverem consciência do seu interesse comum na sua solução. Para isso, é preciso derrotar a visão redutora da zona euro que só consegue distinguir entre países cumpridores e indisciplinados ou entre países dadores e beneficiários. Se assim não for, não haverá resposta sistémica, o euro não terá solução e o projecto europeu estará seriamente ameaçado.

Reconhecer a natureza sistémica da crise implica pôr de lado a versão simplista de que esta crise teria sido causada pela irresponsável indisciplina orçamental dos chamados países periféricos (conceito, aliás, em permanente evolução...) como se o comportamento das agências de ‘rating' não fosse anómalo e como se a reacção dos mercados, medida pelos juros, fosse determinada por uma racionalidade objectiva e não por um monumental movimento especulativo que, a pretexto da situação de alguns países, muito diferentes entre si, identificou como oportunidade as fragilidades da zona euro.

Implica, também, afastar a ideia de que o problema se resolve generalizando e levando ao absurdo políticas nacionais de austeridade para "acalmar os mercados", como se os mercados estivessem disponíveis para premiar uma zona euro em recessão ou para recompensar a determinação com que os países mais frágeis se dispõem a mergulhar numa espiral recessiva e de empobrecimento. Não funcionou na Grécia mas há quem queira insistir na ideia, desta vez confiando tais programas a governos "tecnocráticos", de legitimidade diminuída mas livres do desagradável "enviesamento para a despesa" que os bancos centrais dizem ser próprio dos governos com políticos escolhidos pelo povo, isto é, da democracia. Uma resposta sistémica precisa de mecanismos novos de coordenação e governação económica, é verdade. Mas precisa também de instituições democráticas e de uma política económica mais inteligente.

Finalmente, é preciso escolher. E abandonar de vez a espantosa "teoria dos muros" como estratégia de contenção dos efeitos de contágio da crise das dívidas soberanas na zona euro. A "teoria dos muros", ou das "vedações", ou das "cercas" - tão acarinhada por Berlim - nasceu quando a zona euro disse ao Mundo: "nós não somos a Grécia!". A ideia era "deixar cair a Grécia", imaginando que seria possível suster os efeitos de contágio erguendo um muro virtual em defesa dos demais países do euro, sobretudo dos mais pressionados, incluindo através de uma mais intensa intervenção do BCE. Depois da Grécia, da Irlanda e de Portugal, a Europa percebe nos juros dos mercados de dívida soberana as fendas que ameaçam fazer desabar outros muros, enormes mas frágeis, a começar por Itália e por Espanha. Talvez seja altura de concluir que a "teoria dos muros" não está a resultar.

 

Artigo publicado no Diário Económico