Depois de ter anunciado a vinda do Diabo, a tentativa de Passos Coelho para se colar ao sucesso de António Costa na frente económica e no virar da "página do lixo" é o melhor elogio que o líder da Oposição podia fazer ao Governo, mas é também a confissão pública do seu rotundo falhanço. Tendo-se lançado, aqui e na Europa, numa despudorada campanha por um segundo resgate, é óbvio que Passos Coelho não pode agora, na hora dos festejos, intrometer-se numa fotografia que não é sua e aparecer sorridente na comemoração dos resultados do Governo socialista como se eles fossem o fruto de uma construção conjunta, que nunca existiu.

Acresce que a narrativa de Passos Coelho sobre a forma como Portugal saiu do rating de "lixo" é tão falsa como a sua narrativa quanto à forma como Portugal lá chegou. Vale a pena lembrar alguns factos. Primeiro, até Passos Coelho ter decidido, em março de 2011, "chumbar" o PEC IV e provocar uma crise política, contrariando a Comissão Europeia e o BCE, nenhuma das agências de notação tinha atribuído a Portugal um rating de "lixo". Segundo, mesmo depois do "chumbo" do PEC IV ter precipitado o pedido de ajuda externa, em abril de 2011, enquanto o Governo socialista esteve em funções nenhuma das agências de notação colocou o rating de Portugal em "lixo". Terceiro, a primeira agência a atribuir a Portugal a notação de "lixo" foi a Moody"s (o famoso "murro no estômago"...), mas isso aconteceu apenas em julho de 2011, quando Passos Coelho já era primeiro-ministro e tinha anunciado as suas primeiras medidas de austeridade "além da troika". Quarto, só bastante mais tarde, já em novembro de 2011, era Passos Coelho primeiro-ministro há uns bons cinco meses, é que a Fitch se tornou a segunda agência a atribuir a Portugal o rating de "lixo". Quinto, só no ano seguinte, em janeiro de 2012, era Passos Coelho o responsável pelo Governo há já mais de sete meses, é que a Standard & Poor"s se juntou às outras duas agências e atribuiu a Portugal o rating de "lixo". Moral da história: mais do que uma herança que tivesse recebido, o rating de "lixo" foi uma obra do próprio Passos Coelho, iniciada com a irresponsável crise política em que mergulhou o país no auge da crise das dívidas soberanas.

Quanto à tese de que o rating teria melhorado mais cedo se Passos tivesse continuado primeiro-ministro, serve de pouco especular sobre o que poderia ter acontecido mas, também aqui, há alguns factos que convém recordar. Primeiro, o Governo de Passos Coelho, com a sua política de austeridade "além da troika", falhou sempre todas as metas de que dependia a melhoria do rating. Segundo, no último semestre do Governo PSD/CDS, a economia já estava outra vez a declinar. Terceiro, Passos Coelho deixou Portugal sob ameaça de sanções da Comissão Europeia, não por não ter conseguido baixar suficientemente o défice, mas sim por ter agravado ainda mais o défice estrutural em 2015. Isto, que são factos, é o que sabemos. O resto podemos imaginar.

 

Artigo publicado no Jornal de Notícias