A promessa foi feita num tom tão solene e tão firme que até parecia para levar a sério: o Governo, com toda a transparência democrática, iria dar a conhecer até ao fim do mês de Setembro (...)

A promessa foi feita num tom tão solene e tão firme que até parecia para levar a sério: o Governo, com toda a transparência democrática, iria dar a conhecer até ao fim do mês de Setembro - muito a tempo das eleições regionais de 9 de Outubro - não apenas o valor total das dívidas escondidas pelo Governo Regional da Madeira mas também o teor concreto do programa de ajustamento a aplicar naquela região, com os inevitáveis sacrifícios adicionais para os madeirenses. Apesar do "embaraço" que tudo isto reconhecidamente causava ao PSD, não havia que ter dúvidas: o rigor, a coragem e, se bem me lembro, a imparcialidade do Governo eram tais que primeiro os madeirenses ficariam a conhecer os sacrifícios que teriam de suportar por conta da gestão financeira irregular do dr. Jardim e só depois, sabendo o preço exacto da factura, é que iriam a votos.

Sabe-se agora, nada disto será assim. O primeiro-ministro foi esta semana ao Parlamento explicar que tinha "falado demais" quando fez aquela promessa e que, pensando melhor, haveria uma pequena inversão na ordem dos factores: afinal, primeiro recolhem-se os votos na Madeira e só depois é que são revelados os sacrifícios a exigir aos eleitores madeirenses!

Optando o primeiro-ministro por revogar a sua promessa, feita em nome do rigor e da transparência, também todos aqueles que se precipitaram a elogiá-lo pela sua "coragem" na demarcação de Alberto João Jardim têm agora de dar por revogado esse elogio. Mas, bem vistas as coisas, a surpresa devia ser relativa. Afinal, nunca foi pelo Governo que ficámos a saber da situação das contas públicas da Madeira e, por outro lado, o dr. Jardim já tinha anunciado, para quem o quis ouvir, aquela que seria a sua estratégia de campanha: só voltar a falar da dívida da Madeira depois das eleições. O que se passou foi simples: o Governo primeiro fez-se de forte, depois fez-lhe a vontade.

As desculpas apresentadas não passam disso mesmo. Um País que, em plena campanha eleitoral, negociou com instituições internacionais um programa de assistência financeira infinitamente mais complexo não pode aceitar que o adiamento do programa madeirense se explique com a súbita descoberta de que há eleições na Madeira! Aliás, é precisamente por haver uma campanha eleitoral na Madeira que o Governo da República estava constituído na obrigação de, em tempo útil, dizer a verdade aos madeirenses. Também é evidente que não é a mesma coisa anunciar antes das eleições a enigmática "taxa de esforço" (?) a suportar pela região ou indicar, concretamente, as medidas que vão penalizar a vida dos madeirenses. Não vale a pena, portanto, atirar poeira para os olhos: o que o primeiro-ministro anunciou foi uma operação de claro favorecimento eleitoral do PSD e do dr. Alberto João Jardim.

Entendamo-nos: ao contrário do que alguns pretendem, na Madeira não está apenas em discussão o despesismo, o endividamento ou a obra feita pelo dr. Jardim. O que está em causa é uma questão de grave e continuada ilegalidade na gestão financeira regional e que não tem, segundo as autoridades estatísticas, qualquer precedente ou paralelo conhecido em Portugal. Que se façam eleições na Madeira sem que as implicações desta situação sejam inteiramente conhecidas dos eleitores é absolutamente lamentável. E que tantos prefiram a velha receita de fazer mais leis "para que isto não se repita" em vez de tratar de fazer cumprir, já neste caso, as leis que existem só contribuirá para reforçar o mesmo sentimento de impunidade que paira sobre múltiplos outros atropelos ao regular funcionamento das instituições democráticas madeirenses.

Que tem a dizer disto tudo o Senhor Presidente da República? Muito pouco. Diz que cada um tem o seu estilo de fazer política. O Presidente, que é da República, nunca teve muito a dizer sobre a Madeira.

 

Artigo publicado no Diário Económico