O Parlamento Europeu aprovou esta semana a versão final da Lei de Restauração da Natureza. A aprovação desta lei, obtida contra os votos do PPE e da extrema-direita, é uma grande vitória para os socialistas - que lideraram o processo legislativo no Parlamento Europeu e as negociações com o Conselho, através do relator, o eurodeputado socialista espanhol César Luena - mas é, sobretudo, uma importante vitória para o Pacto Ecológico Europeu, já que permite compatibilizar a defesa da biodiversidade e a necessária restauração dos ecossistemas degradados com o desenvolvimento sustentável da agricultura e da pesca.

 Não foi fácil chegar aqui. Para fazer passar esta lei foi necessário enfrentar a poderosa campanha de desinformação lançada pela Direita, que lamentavelmente contou com a participação ativa dos eurodeputados do PSD. Sem qualquer pudor, tudo fizeram para semear o medo junto dos agricultores e dos pescadores, distorcendo deliberadamente as intenções e o conteúdo da proposta inicial, incluindo com as alterações introduzidas pelo Parlamento, tudo na ânsia de caçar alguns votos a tempo das eleições europeias.

 Nestas condições, não pode deixar de causar a maior estranheza e a mais viva repulsa que os eurodeputados do PSD, que tão energicamente combateram esta lei, pretendam agora, na vigésima quinta hora, colar-se à celebração da sua aprovação através de um artigo publicado no jornal Expresso, ainda para mais procurando fazer-se passar pelos artífices dos compromissos alcançados na versão final que resultou da negociação entre o Parlamento Europeu e o Conselho.

 A verdade é bem diferente. Para que esta lei chegasse a ver a luz do dia não bastou desmontar a tremenda campanha de desinformação da Direita, foi também preciso vencê-la nas várias votações que tiveram lugar no Parlamento Europeu. Ora, acontece que, em julho, o PSD votou contra a proposta de lei no plenário do Parlamento Europeu - e fê-lo não apenas na especialidade, mas também na votação final global. Isto é, por vontade do PSD a proposta teria “chumbado” logo ali e não teria sequer passado à fase seguinte de negociação final entre o Parlamento e o Conselho (o chamado “trílogo”). Convenhamos, é preciso uma boa dose de desfaçatez para o PSD pretender apresentar como vitória sua a aprovação final de uma lei que, por sua vontade, simplesmente não existiria.

 É de registar, naturalmente, que o PSD tenha compreendido o erro e acabado por votar a favor da versão final que resultou das negociações do “trílogo”, mas isso não lhe dá nenhuma legitimidade para apresentar como obra sua uma lei que tentou matar à nascença. De qualquer modo, se o PSD quiser dar provas de sinceridade na sua adesão à lei aprovada, tem bom remédio: dê o dito por não dito, explique aos agricultores e pescadores portugueses que afinal a lei é boa e, de caminho, diga-lhes que a campanha que os seus colegas do PPE insistem em fazer contra a lei junto dos agricultores e pescadores europeus está cheia de erros e falsidades.

 A Lei da Restauração da Natureza é uma lei equilibrada, que define objetivos políticos perfeitamente razoáveis para a recuperação dos ecossistemas degradados, tendo em vista a reversão da perda de biodiversidade e a recuperação dos habitats, concedendo aos Estados-membros, como não podia deixar de ser, uma enorme margem de flexibilidade na definição das metas para cada indicador e na escolha das medidas de gestão a adotar, tudo de acordo com as recomendações científicas adequadas às suas circunstâncias climáticas, ambientais e económico-sociais e na certeza de que a segurança alimentar, bem como a própria sustentabilidade e produtividade da agricultura e da pesca, dependem, em larga medida, de ecossistemas saudáveis, equilibrados e funcionais.

 Ao mesmo tempo que se tentam colar à aprovação de uma lei que combateram, os eurodeputados do PSD optam por ignorar o facto político mais importante na votação final da Lei da Restauração da Natureza: mais uma vez, a sua família política, o PPE, aliou-se à extrema-direita e votou contra a lei. Não é a primeira vez que isso acontece e, certamente, não será a última. Lamentavelmente para o futuro do projeto europeu, esta recorrente captura do PPE pelo discurso radical da extrema-direita tornou-se a nova imagem de marca do centro-direita no plano europeu. Sobre isso, os eurodeputados do PSD, porventura embaraçados, preferiram não dizer nada. Mas é pena. É que, por falar em marcas, seria muito útil saber se essa é a marca em que o PSD se revê, tanto na Europa como em Portugal.

Pedro Marques, Maria Manuel Leitão Marques, Pedro Silva Pereira, Margarida Marques, Sara Cerdas, Carlos Zorrinho, Isabel Santos, Isabel Carvalhais e João Albuquerque

Artigo publicado no Expresso Online a 29/02/2024