Sob pressão dos socialistas europeus e do primeiro-ministro italiano Matteo Renzi, o novo presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, reconheceu esta semana, diante do Parlamento Europeu, que é preciso aproveitar "ao máximo" a flexibilidade permitida pelas regras orçamentais europeias.

É uma boa notícia: o centro-direita está dividido como nunca quanto à austeridade e Ângela Merkel está cada vez mais isolada.

Quatro aspectos merecem especial destaque no importante documento programático de orientação política, intitulado "um novo começo para a Europa", que Juncker apresentou esta semana no Parlamento Europeu. Em primeiro lugar, o reconhecimento, preto no branco, e logo na primeira frase do documento, da verdade elementar que por cá muitos ridiculamente se esforçam por esconder: "A Europa sofreu, nos últimos anos, a pior crise económica e financeira desde a Segunda Guerra Mundial". Depois, o anúncio de que será apresentado, nos primeiros três meses de mandato da nova Comissão, conforme era exigência dos socialistas, um plano de investimento público e privado para o crescimento e o emprego no valor de 300 mil milhões de euros nos próximos três anos. Em terceiro lugar, a identificação de um conjunto certeiro de prioridades de investimento (que não podem deixar de fazer lembrar o nosso Plano Tecnológico, lamentavelmente interrompido pelo Governo actual): educação, investigação e inovação; novas tecnologias; redes de banda larga e mercado único digital; redes de energia, energias renováveis e eficiência energética; infra-estruturas de transporte; sectores industriais estratégicos e combate à burocracia. Finalmente, como acima referido, o anúncio de que serão divulgadas "orientações concretas" no sentido de aproveitar "ao máximo" (sic) a flexibilidade permitida pelas regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento, de modo a favorecer a "utilização dos orçamentos nacionais a favor do crescimento e do investimento".

Sintomaticamente, estes promissores compromissos políticos foram assumidos na mesma semana em que Ângela Merkel emitia uma mensagem em sentido rigorosamente contrário, a pretexto da crise no Grupo Espírito Santo: "O exemplo de um banco português mostrou-nos nos últimos dias como os mercados se agitam, como a incerteza volta rapidamente e como ainda é frágil a construção do euro (...). Se nos afastarmos agora das regras, por exemplo ao nível do Pacto de Estabilidade e Crescimento, e de tudo (sic) o que fizemos para estabilizar o euro, podemos muito rapidamente entrar numa situação em que nos começamos a afundar". Indiferente aos sinais de fracasso e ao enorme retrocesso económico e social dos últimos anos, Merkel parece disposta a insistir na receita errada da austeridade para superar a óbvia fragilidade da recuperação verificada nos mercados em vez de fazer, finalmente, o que deve ser feito: reforçar as razões de confiança na capacidade de crescimento da economia e instituir os mecanismos ainda em falta para defender capazmente a zona euro da especulação financeira nos mercados de dívida soberana.

Já não é possível disfarçar: há hoje dois discursos políticos conflituantes no interior do próprio centro-direita. Entre o tudo e o nada, entre o "máximo" de flexibilidade de que fala Juncker e o "máximo" de austeridade em que insiste Merkel, há uma escolha para fazer e um dos dois triunfará. Desse confronto depende o sucesso da viragem prometida pelo novo líder da Comissão e, consequentemente, o futuro da convergência política com a família socialista europeia que está a usar toda a sua influência para impulsionar este movimento de mudança.

 

Artigo publicado no Diário Económico