A epístola que o líder do CDS e ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros dirigiu esta semana aos militantes populares, por ocasião do 38º aniversário do partido, confirma a estratégia que Paulo Portas escolheu desde o início: estar no Governo com um pé dentro e um pé fora.
Suficientemente dentro para poder reclamar o seu quinhão nos louros, se acaso os houver; suficientemente longe das medidas difíceis para controlar os danos eleitorais, se as coisas correrem mal.
Esta esperteza estratégica, consentida pelo primeiro-ministro por razões que a razão desconhece, ficou clara logo na formação do Governo. Para o CDS, ficaram as pastas menos expostas e mais propícias a iniciativas populistas: a Solidariedade Social (com o seu caridoso programa de Emergência Social, amputada das questões laborais e do desemprego), a Agricultura (acrescida das simpáticas áreas do ambiente e do mar) e os Negócios Estrangeiros (com o bónus da diplomacia económica e do AICEP), lugar perfeito para salvaguardar a imagem do líder do partido e justificar, por dever de ofício, as suas prolongadas ausências. Para o PSD e para os independentes escolhidos pelo primeiro-ministro, ficou o resto: todas as áreas de fogo e todas as tarefas difíceis e desgastantes.
A relativa ausência do CDS e do seu líder na frente de combate, acentuada pelos sinais de distanciamento do partido e de alguns dos seus notáveis, tem vindo a gerar uma crescente incomodidade face à desigual distribuição do esforço e do empenhamento no seio da coligação. Mas não haja ilusões: não é defeito, é feitio. A carta agora dirigida aos militantes prova que a estratégia do CDS veio para ficar.
A mensagem central de Paulo Portas nesta sua primeira carta aos populares é clara: “O nível de impostos já atingiu o seu limite”, diz ele. Naturalmente, Portas dispensa-se de explicar que esse limite foi atingido agora, com o CDS no Governo e até na Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais, em resultado do brutal aumento de impostos que o próprio CDS concordou em decretar muito para lá do previsto no Memorando da ‘troika’. Fiel à sua estratégia, o que Portas pretende é fazer descolar a imagem do CDS da austeridade fiscal, sobrepondo-lhe a iniciativa da contestação pública a mais impostos, ainda que isso implique confrontar a ‘troika’ e o próprio primeiro-ministro. Sendo assim, o verdadeiro recado desta carta de Paulo aos populares – e aos eleitores – é este: nesta coligação, quem se bate contra o aumento de impostos e o excesso de austeridade é o CDS.
Este comportamento não será, talvez, de uma lealdade exemplar mas não pode surpreender quem ainda se lembre da campanha eleitoral de 2005. Também nessa altura, caído em desgraça o Governo de Santana e Portas, a campanha do CDS assentou, essencialmente, num exercício de publicidade comparativa com o PSD, em que o CDS se apresentava como “a parte boa” de uma coligação falhada. Quem não se lembra do CDS dizer que, tendo entrado na coligação com apenas 8%, só podia ter 8% das responsabilidades?
Paulo Portas sabe que tem encontro marcado com esse destino: o dia em que os eleitores, avaliando o Governo, vão também avaliar o desempenho de cada um dos parceiros da coligação. Sabendo isso, desta vez tratou das coisas desde o início e todos os passos do CDS estão calculados em função desse julgamento eleitoral. É certo, diz o povo: “quem anda à chuva, molha-se”. Mas há sempre quem tenha a legítima esperança de passar entre os pingos da chuva. E uma coisa é certa: não parece nada que Paulo Portas se esteja “a lixar” para as eleições.
Artigo publicado no Diário Económico