As eleições presidenciais brasileiras estão marcadas para o próximo dia 7 de outubro, daqui a apenas seis meses. Como é normal num país imenso como o Brasil, a vida política brasileira está já em ambiente de pré-campanha eleitoral, com muitos dos candidatos anunciados a fazerem comícios frequentes pelo país inteiro.
Naturalmente, os candidatos não estão acima da lei, nem beneficiam de qualquer imunidade. Não há dúvida, portanto, de que podem ser condenados, e se necessário presos, se houver motivo para isso. Todavia, parece evidente que quando um sistema de justiça pretende atravessar-se de rompante num processo eleitoral para condenar e prender um ex-presidente da República que é de novo candidato e que lidera, por larga margem, todas as sondagens, há duas condições elementares que tem de respeitar para que a sua intervenção fique a salvo da suspeita de motivação política: primeiro, assegurar o rigoroso cumprimento das regras processuais do Estado de direito; segundo, produzir decisões judiciais bem fundamentadas e absolutamente convincentes. Nenhuma dessas condições se verifica no processo que pretende levar à prisão o ex-presidente Lula da Silva.
Do ponto de vista processual, assistimos a uma longa série de desmandos contra o Estado de direito: juízes com intervenções políticas nas redes sociais, na Comunicação Social e até em manifestações de rua; decisões judiciais apressadas, numa evidente corrida contra o tempo à medida do calendário eleitoral; divulgação de escutas telefónicas, não por qualquer “fuga” violadora do segredo de justiça mas por iniciativa deliberada do próprio magistrado responsável pelo processo; invocação absurda de um imaginário “perigo de fuga” do candidato que está a um passo de voltar a ser presidente do Brasil – tivemos tudo isto e muito mais.
Do ponto de vista substantivo, o panorama não é melhor: se a condenação de Lula no caso do tríplex de Guarajá, ainda que confirmada e agravada em segunda instância, nunca se mostrou capaz de exibir provas sólidas e convincentes do crime, o recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça brasileiro rejeitou o pedido de habeas corpus com base numa interpretação manifestamente violadora da letra e do espírito da Constituição brasileira (que tem o topete de declarar que a presunção de inocência se extingue com a condenação em segunda instância, em dupla conforme, mesmo que ainda haja direito a recurso, quando a Constituição brasileira expressamente diz que a presunção de inocência vale até ao trânsito em julgado da sentença condenatória). E ainda por cima tomou esta controversa decisão à tangente, por 6-5, naquilo que mais parece o resultado de um jogo de hóquei em patins!
Quando se impunha que as decisões da justiça brasileira fossem bem fundamentadas e absolutamente convincentes, o que se constata é que começam logo por não convencer sequer boa parte dos juízes do próprio Supremo Tribunal brasileiro.
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Artigo publicado no Jornal de Notícias