Já não resta pedra sobre pedra na versão oficial sobre a resolução do BES: os factos confessados nas primeiras audições da comissão de inquérito chegam e sobram para provar que a resolução foi uma operação conjunta do Banco de Portugal e do Governo, preparada nas costas da CMVM, enquanto quem podia, e sabia, safava milhões na bolsa.
Não deixa de impressionar como alguns se apressaram a decretar que a primeira semana de audições “não trouxe grandes novidades”. A verdade, porém, é bem diferente. Embora a ministra das Finanças tenha insistido na teoria da responsabilização exclusiva do Governador do Banco de Portugal (a quem coube, do ponto de vista formal, tomar a decisão), ambos acabaram por confessar factos que mostram que a resolução foi desenvolvida e viabilizada em parceria entre o Banco de Portugal e o Governo.
Na verdade, a 18 de julho, muito antes de conhecidos os prejuízos do BES, já a ministra das Finanças e o Governador tinham combinado criar um grupo de trabalho para preparar um plano de contingência para a crise do BES; a 25 de Julho, face aos dados preliminares sobre os prejuízos, a preparação desse “plano de contingência” foi activada; a 30 de julho, a ministra das Finanças “esclarece” Vítor Bento em termos que lhe permitiram concluir que estava excluída a recapitalização pública do BES, decisão política que, como o Governador fez questão de sublinhar, deixou a resolução como única alterativa possível do plano de contingência; ainda a 30 de julho, o Banco de Portugal inicia contactos em Bruxelas tendo em vista a obtenção de aprovação da resolução; no dia seguinte, pela manhã, a ministra das Finanças leva a Conselho de Ministros, a pedido do Governador, o extenso Decreto-Lei (preparado nos dias anteriores) que garante o enquadramento legal para a resolução do BES e aceita mantê-lo em segredo, omitindo-o do comunicado do Conselho de Ministros; ainda nessa tarde, o Governo intercede junto do Presidente da República para obter a promulgação desse diploma no próprio dia; na sexta-feira, dia 1 de Agosto, depois de reunir com o BCE, ao meio-dia, o Governador informa telefonicamente a ministra das Finanças de que assumiu o compromisso de concretizar a resolução durante o fim-de-semana (atenção que não teve para com a CMVM); segue-se o trabalho conjunto entre o Banco, o Ministério das Finanças e a Direcção-Geral da Concorrência para preparar a operação; no domingo, 3 de agosto, a ministra das Finanças, de novo a pedido do Governador, promove um Conselho de Ministros electrónico para aprovar, com carácter de urgência, uma segunda alteração ao enquadramento legal da resolução. E é na sequência deste intenso trabalho conjunto que o Governador anuncia ao país a decisão de resolução do BES. Não há, pois, que ter dúvidas: esta foi uma resolução conjunta.
Sucede que quem partilha a responsabilidade política pela resolução tem de partilhar também a (pesada) responsabilidade pela omissão de informação à CMVM, que impediu a adopção de medidas de defesa do mercado. É que não pode escamotear-se que o presidente da CMVM foi à comissão de inquérito declarar o seguinte: “provavelmente, o que teria sido, repito, mais prudente, e se a CMVM tivesse sido informada mais cedo, era suspender, seria ter feito a suspensão da negociação algum tempo antes (…) sobretudo para que não haja investidores a transacionar na ignorância de uma decisão que é fundamental (…). É um pouco constatar que fruto desta falta de informação e do facto de o mercado ter estado aberto em circunstâncias que, provavelmente, não deveria ter estado, e não estaria se a CMVM tivesse essa informação mais cedo”. Perguntado, concretamente, sobre se “teria protegido os mercados e os investidores” se tivesse tido acesso mais cedo à informação de que dispunham as outras entidades, foi taxativo: “a resposta é afirmativa”.
Se enquanto decorriam os actos preparatórios da resolução, envolvendo múltiplas pessoas e entidades, ao longo de dias, as cotações do BES tiveram um comportamento anormal, depois de assumida a decisão de resolução, ao meio-dia de sexta-feira (e não depois dos fecho dos mercados, como tinha dito o Governador no Parlamento, a 7 de Agosto), foi o festival que o próprio Presidente da CMVM descreveu: “a partir do início da tarde, sobretudo a partir das 13 horas, e mais intensamente das 15 horas, é que se verificou uma queda abruta das cotações e uma negociação particularmente intensa”. O telefonema do Governador do Banco de Portugal para a CMVM só teve lugar às 15h12, razão pela qual a suspensão da cotação do BES só ocorreu às 15h42. Era já demasiado tarde. Mas não para todos.
Texto de opinião publicado no Diário Económico de 21 de Novembro e na sua edição on-line.