05.12.14

A dança dos feriados

Agora que as eleições se aproximam, parece que Paulo Portas descobriu que é a favor dos feriados. Infelizmente, na hora da verdade, isso não o impediu de acabar com eles.

A ideia de fazer do CDS, em vésperas de campanha eleitoral, o campeão da reposição do feriado do 1º de Dezembro, e porventura também dos outros, desafia os limites da imaginação – e da memória. Confortavelmente sentados no Conselho de Ministros, Paulo Portas e os restantes ministros do CDS participaram, de forma activa e solidária, na decisão de eliminar do calendário, de uma assentada, quatro feriados nacionais, incluindo os feriados que assinalam a restauração da independência (1º de Dezembro) e a implantação da República (5 de Outubro).

A medida, recorde-se, não estava prevista no Memorando assinado com a “troika” e foi adoptada pelo Governo por sua livre iniciativa, com o mesmo empenho com que abraçou toda a lógica punitiva de um país que se dizia ter vivido “acima das suas possibilidades”. Aos estrangeiros do Centro e do Norte da Europa, sobretudo alemães e finlandeses, onde se propagou o tão falado escândalo com a nossa alegada preguiça e o nosso incorrigível gosto pela praia, a eliminação dos feriados foi apresentada como sinal de expiação dos pecados colectivos e exemplo de toda uma nova atitude: os portugueses, muito humildemente, reconheciam que tinham de trabalhar mais. Para ser mais exacto: tratava-se de trabalhar muito mais, por muito menos. O próprio Presidente da República, por um momento presidente de todos os portugueses arrependidos e ajoelhados, resumiu tudo naquelas suas palavras célebres e inspiradoras, que muito justamente correram Mundo: “aprendemos a lição”.

Na altura, não interessou ao Governo, e dentro dele ao dr. Paulo Portas e aos ministros do CDS, que Portugal não tivesse mais feriados do que a média dos nossos parceiros europeus. Nem que os portugueses trabalhassem por semana muito mais horas – e não menos – do que os trabalhadores alemães. Nem que a eliminação dos feriados pudesse ter efeitos contraproducentes quer no mercado de trabalho quer na própria actividade económica. E menos ainda que o país, dilacerado por enormes dificuldades e sujeito a uma intervenção financeira externa no contexto de uma tremenda crise internacional, precisava mais do que nunca de zelar pela sua auto-estima e de manter vivas as referências simbólicas da sua história, da sua soberania, da sua cultura e da sua identidade. Quando foi preciso decidir, nada disso contou. A tal ponto que o ministro das Finanças de então, um certo professor Gaspar, conhecido na Irlanda como o ministro da “troika”, foi até dispensado de apresentar os estudos que, por aplicação dos seus famosos modelos matemáticos, deveriam sustentar a relação custo-benefício da decisão em causa. A convicção à mesa do Conselho de Ministros era tanta que Paulo Portas e os outros decidiram exactamente isto: primeiro eliminem-se os feriados, depois logo se estuda o fundamento da decisão. E foi assim que os parceiros sociais, a Igreja Católica e todos os portugueses ficaram a saber que aqueles feriados seriam imediatamente eliminados e que a decisão seria reavaliada na base de um estudo que um dia haveria de ser feito, talvez lá para 2017 ou 2018.

Só que as eleições não são em 2018 mas em 2015 e as coisas parecem não estar a correr nada bem para os partidos do Governo. Vai daí, o imparável génio eleitoral do dr. Paulo Portas julgou ter descoberto o ovo de colombo que, bem vistas as coisas, se resume a um velho truque: dar o dito por não dito. A ambição, reconheça-se, não é pequena: fazer do CDS, que acabou com os feriados, o campeão da reposição dos feriados. Uma operação que, tudo o indica, se inscreve numa estratégia bastante mais vasta e ainda mais audaciosa: tornar a apresentar o CDS, que aprovou o enorme aumento de impostos, como o “partido dos contribuintes” e voltar a fazer dele, depois de ter cortado nas pensões e no complemento solidário para idosos, o “partido dos reformados”. Tudo como se nada se tivesse passado. Paulo Portas, que é um optimista, terá certamente a esperança de que ninguém repare. Mas tanto optimismo é capaz de ser um bocadinho demais.

 

Artigo publicado no Diário Económico