Tudo acabou como tinha de acabar: com o PR a nomear António Costa como primeiro-ministro, a dar posse a um governo socialista e a submeter-se à vontade democrática da maioria do Parlamento.
O “spin” presidencial ditou e houve logo quem repetisse: o Presidente pôs “condições” e fez “exigências”. Obviamente foi tudo a fingir: o facto é que António Costa tomou posse sem mudar uma vírgula ou acrescentar um ponto nos acordos que assinou.
Entendamo-nos: uma coisa são “condições”, outra são “exigências”, outra ainda, bastante diferente, são “pedidos de esclarecimento”. E foram apenas meia dúzia de pedidos de esclarecimento que o Presidente formulou na sua derradeira tentativa de salvar a face e fingir que correspondia aos apelos desesperados de uma direita inconformada, que ele próprio incentivou.
António Costa e os partidos da maioria parlamentar que o apoia, naturalmente, não se deixaram impressionar e de imediato perceberam que o assunto não merecia sequer uma reunião. O primeiro-ministro “indicado”, fazendo jus ao título, limitou-se a responder de pronto, com impecável cortesia institucional, mas, quanto aos costumes, disse nada: remeteu o Presidente para o conteúdo dos acordos e do programa de Governo do PS que o País inteiro há muito conhecia.
Em todo este processo, o Presidente da República teimou em fazer “bluff” com os poderes presidenciais, simulando uma autoridade política que nem a Constituição lhe confere, nem o desempenho do cargo lhe granjeou. Confrontado com os resultados eleitorais, que deram lugar ao único cenário que não lhe tinha ocorrido estudar, começou por querer distinguir, como se isso fosse possível, entre os partidos autorizados ou proibidos de apoiar o Governo; depois, ao arrepio do desenho constitucional do sistema de governo, optou por ignorar a posição maioritária dos partidos com assento parlamentar para insistir na nomeação de um governo minoritário da direita, que sabia não ter qualquer viabilidade; rejeitado esse governo pela maioria de esquerda, não escondeu a tentação de se constituir como força de bloqueio da solução governativa proposta pela maioria parlamentar: foi dois dias para a Madeira, enalteceu as virtudes dos governos de gestão, sugeriu até que podia prolongar a situação meses a fio sem inconvenientes de maior e promoveu um caricato corropio de audiências a um público seleccionado, mas sempre sem fazer o que faria um verdadeiro institucionalista se tivesse realmente dúvidas: ouvir o Conselho de Estado.
Depois da sugestão de alternativas políticas que nunca existiram e da encenação de exigências que nunca foram feitas, o Presidente ainda inventou a figura exótica da “indicação” do primeiro-ministro para, finalmente, dar a entender que fazia uma espécie de “avaliação curricular” dos novos membros do governo, cuja “aceitação”, por sorte, viria a anunciar. Tudo acabou, porém, como tinha que acabar: com o Presidente da República a nomear António Costa como primeiro-ministro, a dar posse a um governo socialista e a submeter-se à vontade democrática da maioria do Parlamento.
Se foi preciso dar tantas voltas para chegar ao óbvio, é apenas porque o Presidente é um fingidor. E finge tão completamente que chega a fingir que é rancor o rancor que deveras sente.
Artigo de opinião publicado no Diário Económico de 27 de novembro e na sua edição online.