14.09.12

A grande fraude

A fraude começou na comunicação ao País do primeiro-minsitro (PM). Passos Coelho tentou convencer os portugueses que tinha de manter os sacrifícios dos funcionários públicos e pensionistas e, além disso, cortar um salário aos trabalhadores do privado porque isso era uma “consequência” da decisão do Tribunal Constitucional.

Miguel Relvas disse mesmo, a partir do Brasil (muito viaja aquele homem!), que “não são medidas novas” mas medidas para “substituir” (sic) as vetadas pelo Tribunal. Não sei o que lhes passou pela cabeça para imaginarem que o País seria suficientemente parvo para engolir tanta aldrabice. Evidentemente, nem os sacrifícios foram “substituídos” (até se agravaram), nem o Tribunal Constitucional exigiu “mais austeridade”: limitou-se a decretar, aplicando a Constituição, que a austeridade existente tinha de ser distribuída com mais equidade. Toda a austeridade adicional é, pois, da responsabilidade do Governo e, na parte anunciada pelo PM, nem sequer visa cumprir as metas do défice – visa financiar, à custa do rendimento das famílias, uma disparatada experiência económica de redução generalizada da TSU para as empresas, transferindo rendimentos do trabalho para o capital.

A fraude prosseguiu quando o Governo deixou instalar a ideia de que a redução da TSU era uma exigência da ‘troika’ e uma “moeda de troca” para a flexibilização das metas do défice. A entrevista ao Público do Chefe de Missão do FMI acabou com isso: esta redução da TSU não foi uma exigência da ‘troika’, foi uma escolha livre do Governo.

Mas a verdadeira dimensão da fraude só ficou exposta na intervenção do ministro das Finanças. As contas que apresentou transformaram-se numa “charada” nacional: com a revisão das metas, em 2013 o défice só tem de baixar 0,5 pontos percentuais (de 5 para 4,5%) – o que devia representar um esforço moderado, de cerca de 850 milhões de euros; no entanto, o ministro das Finanças anunciou para 2013 um novo pacote de medidas de austeridade de 4,9 mil milhões! Era estrita obrigação do ministro explicar a verdadeira razão desta diferença e dos sacrifícios que pretende pedir aos portugueses. Escolheu, porém, o caminho da dissimulação. Mas não há “charada” que resista: se a austeridade em 2013 excede em cerca de 4 mil milhões de euros, ou 2,3 p.p. do PIB, o que deveria ser necessário, é porque o ponto de partida, o défice real de 2012 (sem receitas extraordinárias), não será de 5%, nem sequer de 6%: ficará provavelmente acima dos 7%! E é esta a fraude maior: a tentativa patética do ministro das Finanças de nos convencer que “está a cumprir” quando a evidência mostra que está a falhar! Os sacrifícios brutais que o Governo pretende impor têm, assim, uma única justificação: a dimensão colossal do falhanço do ministro das Finanças nas metas do défice de 2012, apesar de todos os impostos, cortes de salários e orçamentos rectificativos. É o fracasso da austeridade “além da ‘troika'” que os portugueses vão pagar. Que em cima disso o mesmo ministro das Finanças queira ainda retirar-lhes um salário para oferecer às grandes empresas a troco de nada, é do domínio da loucura. Se isto não for travado, 2013 será “o ano do Gaspar”: o ano em que um país inteiro se sacrifica para pagar os desvarios de um ministro das Finanças desligado da realidade e a manifesta impreparação de um primeiro-ministro que, alegando ser contra o aumento de impostos, precipitou o País na aventura de uma crise política e forçou o pedido de ajuda externa, ao mesmo tempo que prometia aos portugueses um caminho que não podia nem tencionava seguir. Verdadeiramente, foi aí que a grande fraude começou.

 

Artigo publicadono Diario Económico