21.06.13

A grande migração

Segundo os dados que o INE divulgou esta semana, emigraram de Portugal, só no ano de 2012, mais de 120 mil pessoas: 69 mil ainda com a intenção de regressar em menos de um ano e 52 mil já de forma definitiva ou permanente.

Também em 2012, o número de nascimentos caiu para 89 mil – o valor mais baixo desde que há registos. Ninguém duvide: o “ajustamento” de que o Governo tanto se orgulha é uma tragédia que vai deixar marcas por muitos anos.

O Governo, reconheça-se, não se poupa a esforços para encorajar este êxodo colossal: aplicou o dobro da austeridade prevista no Memorando inicial da ‘troika’; abandonou qualquer visão estratégica sobre a modernização e o futuro do País; mandou parar todas as iniciativas públicas geradoras de emprego; desinvestiu na ciência, na educação e na formação profissional; falhou por muito todas as metas do Programa “Impulso Jovem” e agora, apesar de confrontado com o agravamento da recessão e do desemprego, insiste no adiamento absurdo do pagamento dos subsídios de férias e prepara um novo pacote de violentos cortes nos serviços públicos e nas prestações sociais. Entretanto, para o caso de alguém não ter percebido, houve mesmo um membro do Governo que teve o bom gosto de apontar aos jovens a porta da saída.

Os resultados estão à vista. A população residente em Portugal, que atingiu o valor máximo em 2009 e se manteve sensivelmente estável em 2010, caiu para 10 487 289 pessoas em 2012: uma redução de 85 mil em apenas dois anos. E a redução só não é maior porque ainda se registou alguma entrada de imigrantes permanentes, embora essas entradas também tenham caído em 2012 para apenas 14 mil (em boa parte ao abrigo do regime de reagrupamento familiar). Assim, a imigração não chegou para compensar o forte fluxo de emigrantes registado no último ano, pelo que o saldo migratório foi negativo em mais de 37 mil pessoas.
Negativo foi também o saldo natural (em mais de 17700 pessoas): o número de óbitos aumentou e o número de nascimentos foi o mais baixo de sempre (também penalizado pela redução dos fluxos imigratórios, cujo contributo é relevante para o número total de nascimentos). Os factos não enganam: os mais fervorosos adeptos das políticas de apoio à família têm em curso a mais violenta política pública contra a natalidade de que há memória no Portugal democrático.

O que todos estes números dizem é que muitos portugueses – sobretudo jovens, bastantes deles com elevadas qualificações – estão a fugir do desemprego e do destino de empobrecimento que lhes foi traçado, à procura de um futuro que, para eles, não mora aqui. O motivo primeiro desta grande migração, como é óbvio, reside na assustadora taxa de desemprego – que o próprio ministro Vítor Gaspar estima em 19% no final deste ano e que ultrapassa já os 42% entre os jovens. Mas esta é também a resposta natural a uma desoladora estratégia de empobrecimento que arrasa oportunidades, semeia insegurança e produz frustração.
Nem de propósito, dois dias depois de serem revelados os dados do INE sobre a evolução da população residente em Portugal, o Eurostat divulgou os valores de 2012 sobre o Produto Interno Bruto per capita na União Europeia, expresso em paridades de poder de compra. E uma coisa tem tudo que ver com a outra. Os dados são estes: entre 2004 e 2010 (durante aquela década que alguns diziam perdida…) o PIB per capita português recuperou consideravelmente e subiu de 77 para 80,3%, convergindo com a média europeia; em 2011 e 2012, pelo contrário, com a austeridade “além da ‘troika'” deste Governo PSD/CDS, o PIB per capita caiu abruptamente para 75%, divergindo da média europeia e recuando para valores ainda piores do que aqueles que o primeiro Governo Sócrates encontrou.

É deste empobrecimento garantido que fogem os milhares de jovens e de outros portugueses que dão corpo a esta grande migração. E, francamente, é preciso ter azar: um Governo que falha em tudo, logo havia de ser no empobrecimento que havia de acertar.

 

Artigo publicado no Diário Económico