Estava o país a celebrar tranquilamente um ano de serena acalmia e descrispação política e social, quando foi importunado por uma tremenda gritaria vinda dos lados da Direita – alguma coisa, certamente, não lhes deve estar a correr bem.
Depois de incendiarem o debate parlamentar com a indignidade de grosseiros insultos dirigidos ao primeiro-ministro – acusado de mentiroso, reles, vil e soez – eis que se lançam agora numa nova cruzada, no tom estridente que se tornou habitual. E não fazem a coisa por menos: agora, é a democracia liberal e o próprio Estado de direito que estão em perigo! Por causa da onda nacionalista e xenófoba que vai tomando conta da Europa e do Mundo? Não, não vão tão longe. As situações que apoquentam a nossa Direita são de outro calibre. Indignam-se, primeiro, porque, tendo uma televisão privada feito uma reportagem denunciando alegadas “falhas graves” do governador do Banco de Portugal (BdP) na gestão da crise do BES, alguns partidos de Esquerda tiveram o “desplante” de pedir a sua demissão ao abrigo da lei. Indignam-se, também, porque o Governo, a quem compete nomear a Administração do BdP sob proposta do governador, estará a exercer as suas competências de modo a alcançar uma recomposição da Administração – imagine-se! – de comum acordo com o governador. Indignam-se, ainda, porque houve quem tenha tido a suprema ousadia de criticar a presidente do Conselho de Finanças Públicas (CFP), Teodora Cardoso, “apenas” porque errou clamorosamente nas suas previsões e porque deu, numa entrevista infeliz, uma explicação pelo menos risível para o sucesso alcançado pelo Governo, sendo que alguns partidos de Esquerda aproveitaram para recordar as suas propostas antigas de extinção do próprio CFP. Finalmente, e à falta de melhor, indignam-se porque parece que os órgãos de governo próprio de uma universidade cancelaram a realização de um colóquio até que estivessem garantidas as necessárias condições de segurança, como se essa decisão significasse, à vista desarmada, o princípio do fim da liberdade de expressão em Portugal.
Tudo visto e ponderado, chega a ser ridículo que se pretenda construir toda uma teoria de autêntico apocalipse democrático e tenebrosa perseguição às instituições independentes com base em tamanho vazio. Tudo não passa de uma descarada inventona. Bem pelo contrário, se há coisa que distingue o atual Governo é precisamente a boa cooperação que tem mantido com as outras instituições, como ainda agora se reafirmou justamente no caso do Banco de Portugal. De resto, uma breve recordatória das nomeações mais recentes bastará para desfazer qualquer acusação de tentativa de controlo partidário do aparelho de Estado: um ex-ministro do Governo PSD/CDS à frente da Caixa Geral de Depósitos; um ex-deputado e secretário de Estado do PSD como “chairman” da TAP; um ex-adjunto de um ministro da Economia do PSD na liderança da AICEP.
Se a intenção é incendiar o país com mais uma polémica artificial, esta ideia do fim iminente da democracia liberal tem um problema sério: não pega. Arranjem outra.
Artigo publicado no Jornal de Notícias