O Orçamento para 2014 é já a oitava tentativa do Governo para ver se acerta. Sabemos todos o resultado das sete tentativas anteriores
O Orçamento para 2014 é já a oitava tentativa do Governo para ver se acerta. Sabemos todos o resultado das sete tentativas anteriores: em dois orçamentos anuais (2012 e 2013) e cinco (!) orçamentos rectificativos (um em 2011, dois em 2012 e outros dois em 2013), o Governo, apesar dos sacrifícios que pediu aos portugueses, falhou sempre – mesmo quando rectificou. E falhou, muito em especial, nos objectivos centrais de redução do défice e de redução da dívida pública, que subiu como nunca ao longo dos dois últimos anos. Posto isto, a brilhante ideia para esta oitava tentativa é esta: insistir na estratégia que já falhou sete vezes. Bem se compreende que o entusiasmo não seja grande.
Aos primeiros sinais de alguma melhoria da situação económica, o Governo mostra-se decidido a cortar o bem pela raiz. De uma assentada, o Orçamento para 2014, com o seu novo e violento pacote de austeridade, desmente as promessas enganadoras do vice-primeiro-ministro e arrasa toda a propaganda sobre o propalado novo ciclo de investimento e crescimento. Pelo caminho, ao rejeitar qualquer redução no IVA da restauração, o Orçamento desfaz também as ilusões associadas à nomeação do novo Ministro da Economia. Ele próprio, aliás, teve de vir a público explicar, com algum embaraço, que aceita esta estratégia orçamental contra a economia porque é, acima de tudo, um “soldado disciplinado”. O problema é que isso é, sem nenhuma dúvida, uma coisa excelente para um soldado. Mas é pouco, muito pouco, para um general.
Note-se que ao insistir na estratégia da austeridade violenta – apesar do novo fracasso nas metas do défice, que este ano se manterá em cerca de 6% – o Governo não se limita a reeditar o mesmo erro estratégico que inspirou a absurda austeridade “além da troika” e lançou o país numa espiral recessiva de tão graves consequências sociais e económicas. Desta vez, trata-se também de desperdiçar, de forma absolutamente imperdoável, uma efectiva janela de oportunidade para impulsionar a recuperação da economia.
De facto, por um conjunto de circunstâncias em larga medida alheias à acção do Governo – a intervenção do BCE nos mercados financeiros, a ligeira recuperação da economia europeia, a melhoria das exportações e o travão do Tribunal Constitucional a certas medidas de austeridade – a economia portuguesa deu surpreendentes sinais de ser capaz de inverter a trajectória recessiva instalada nos três últimos anos. É justamente essa oportunidade rara, de enorme importância para o futuro das empresas, dos empregos e do País, que o Governo se prepara para desbaratar com o erro estratégico colossal que é este Orçamento.
Em qualquer Governo, já se sabe, um erro estratégico tão fundamental é sempre responsabilidade primeira do primeiro-ministro. E dizendo respeito à política orçamental, responsabiliza também, naturalmente, a nova ministra das Finanças. Mas importa recordar que este é, como nenhum outro, o Orçamento do CDS. Na verdade, até à crise política de Julho, o CDS preferiu sempre jogar o jogo oportunista de manter um pé dentro e um pé fora do Governo. Só que isso acabou. O líder do CDS, que já tinha conquistado para o seu partido o essencial das políticas sociais do Governo, quis também para si o vistoso cargo de vice-primeiro-ministro, quis para si a condução da reforma do Estado, quis para si a responsabilidade das negociações com a “troika” e quis para si o pelouro da coordenação das políticas económicas. Quis tudo e a verdade é que tudo lhe foi dado. O resultado, portanto, é também inequivocamente seu. E o resultado é este: um orçamento de extrema austeridade, de ataque inaudito aos direitos dos pensionistas e totalmente contrário à recuperação da economia.
Que a oitava tentativa orçamental do Governo não seja muito diferente das anteriores, diz tudo sobre a imensa ilusão que foi a promessa de um novo ciclo. Bem consciente desse embuste, o primeiro-ministro confessou temer os efeitos de um “choque de expectativas” quando fosse conhecida a verdade sobre o Orçamento para 2014. E nisso, ao menos, não se enganou: conhecido o Orçamento, as expectativas, se as havia, só podem estar em estado de choque.
Artigo publicado no Diário Económico