Depois do longo folhetim das sanções por incumprimento das metas do défice em 2015, que terminou com final feliz, Bruxelas, que parece ter falta de assunto, já arranjou enredo para a próxima novela: fecha ou não fecha a porta dos fundos para Portugal e para Espanha?
A julgar pelos primeiros episódios, a coisa promete: a Comissão Europeia, com frieza burocrática, listou nada menos de 16 fundos estruturais que diz serem teoricamente suscetíveis de suspensão, pelo menos parcial; o Parlamento Europeu requereu que o assunto seja discutido num processo prévio de “diálogo estruturado” entre as duas instituições, que deverá decorrer nas próximas semanas; o comissário Moscovici pediu esta semana que esse diálogo avance rapidamente porque, nisto sim, “não há tempo a perder” e o presidente do Eurogrupo, o inigualável Dijsselbloem, apressou-se a declarar que o processo tem de ser completado “o mais rápido possível”. Finalmente, a União Europeia tem prioridades claras, só é pena serem erradas.
Por muito que os arautos da “linha dura” insistam na ladainha da “credibilidade das regras”, ninguém compreenderia que a Comissão Europeia, depois de ter decidido que havia razões suficientes para não aplicar multas a Portugal pelo incumprimento do défice de 2015, viesse agora propor uma sanção ainda mais pesada pela mesmíssima infração! Além de absolutamente contraditória com a decisão já tomada, a suspensão de fundos, seja em que medida for, seria não só injusta (tanto como teria sido a decisão de aplicar uma multa) mas também gravemente contraproducente, visto que os fundos comunitários, sendo obviamente essenciais para o investimento e o crescimento da economia, são por isso mesmo indispensáveis para o cumprimento das metas do défice e da dívida.
É certo, os partidários da “linha dura” querem convencer-nos que não há nada para decidir, está tudo nas regras, é tudo “automático”. Por vontade deles, estaríamos até dispensados de pensar. Mas não é assim: há uma decisão para tomar e é uma decisão estritamente política. Na verdade, o Artigo 23.º do Regulamento aplicável manda que qualquer decisão sobre a suspensão de fundos tenha em conta não apenas a ocorrência da infração (o que poderia conduzir a algum automatismo) mas também a “todas as informações pertinentes”, impondo expressamente que essa decisão respeite o princípio da proporcionalidade e pondere devidamente a situação económica e social no Estado em causa e, em especial, o impacto que uma suspensão de fundos teria na sua economia. Parece-vos isto automático? Só para quem não sabe ler ou quer a todo o custo impedir uma decisão justa e inteligente.
Artigo publicado no Jornal de Notícias