Dão que pensar os primeiros dados da execução orçamental de 2012, referentes ao mês de Janeiro. Naturalmente, é cedo para tirar conclusões. Mas seria um erro ignorar os sinais preocupantes que já se registam, designadamente no capítulo da receita fiscal.
Comecemos por registar o óbvio: no primeiro mês do ano, as receitas fiscais, em vez de crescerem, diminuíram. Apesar de todos os aumentos de impostos decididos pelo Governo, as receitas fiscais diminuíram 7,9% em Janeiro (em comparação com o mês homólogo do ano anterior), quando o Orçamento para 2012 tem por base uma previsão de aumento das receitas fiscais, no conjunto do ano, de 2,9%. Este é o primeiro sinal de um desvio que pode ameaçar as metas orçamentais.
Veja-se o comportamento da receita dos impostos indirectos, mais sensíveis à evolução da economia: a receita subiu apenas 0,5% em Janeiro, quando o Orçamento para 2012 conta com um crescimento de 8,6%. E especial atenção deve ser dada ao IVA: não obstante os brutais aumentos determinados pelo Governo, as receitas do IVA cresceram apenas 5,7% em Janeiro (face ao mês homólogo), quando o Ministro das Finanças inscreveu no Orçamento para 2012 uma previsão de crescimento, para o conjunto do ano, de 12,6%. E a variação homóloga só não foi mais negativa porque houve uma redução nos reembolsos (-12,7%), dado que o acréscimo efectivo da receita bruta do IVA não foi além dos 1,4%. É certo, temos de aguardar pelos dados dos próximos meses para ver se estas tendências se confirmam. Mas uma coisa é clara: este não foi um bom começo na execução orçamental de 2012.
Tudo indica que o fraco desempenho da receita fiscal é apenas mais uma consequência do erro político estrutural do Governo: a absurda opção por uma austeridade “além da ‘troika'”. Ao adoptar, num contexto internacional desfavorável, múltiplas medidas de austeridade não previstas no Memorando inicial (imposto sobre o 13º mês; taxas de IVA a 23% na energia e na restauração; aumentos brutais nos transportes e nas taxas moderadoras; eliminação dos subsídios de férias e de Natal dos funcionários públicos e pensionistas…) o Governo provocou uma travagem abrupta da economia, de graves consequências. Os dados do INE sobre o 4º trimestre de 2011 aí estão: a recessão atingiu os -2,7%, enquanto a taxa de desemprego disparou para os 14%. E a tendência para 2012 é que as coisas se agravem ainda mais (a Comissão Europeia já prevê uma recessão de -3,3%). Sucede que o aumento do desemprego significa mais despesa (em subsídios) e o agravamento da recessão implica menos receita. É a tenaz de empobrecimento – aumento brutal de impostos e redução de rendimentos e prestações sociais – que acaba por frustrar as expectativas de aumento da receita fiscal e prejudicar a própria consolidação das contas públicas.
Se ainda antes de começar o ano já o ministério das Finanças admitia que o défice em 2012 poderia subir para 5,4% (em vez de cumprir a meta dos 4,5%), é natural que os dados da execução orçamental de Janeiro suscitem por lá a seguinte pergunta: que fazer com este novo desvio? E essa é a pergunta que pode abrir caminho para mais um passo na perigosa espiral de recessão e austeridade. Onde é que já vimos este filme?
Artigo publicado no Diário Económico