17.01.14

A reforma estrutural da energia

No meio dos muitos números que têm desfilado na agenda mediática, há um que não devia passar despercebido: em 2013, soube-se agora, 58,3% da energia eléctrica consumida em Portugal foi produzida a partir de fontes renováveis, dando aproveitamento aos recursos nacionais.

Dada a centralidade da questão energética, este resultado prova que o investimento nas energias renováveis, feito na década que muitos diziam “perdida”, foi afinal a mais importante reforma estrutural da história recente da economia portuguesa.

Em apenas meia dúzia de anos, entre 2005 e 2011, a capacidade instalada de produção energética a partir de fontes renováveis cresceu em Portugal de 6267 para 10322 MW. Este enorme aumento ficou a dever-se, sobretudo, ao investimento em dois sectores: o sector hídrico, cuja capacidade instalada evoluiu, nesse período, de 4752 para 7547 MW; e no sector eólico, que aumentou de 1047 para 4301 MW, distribuídos por 2613 aerogeradores e 226 parques eólicos. O resultado está à vista: no ano passado, 23% da produção eléctrica nacional foi assegurada pela energia eólica e quase 60% foi garantida pelo conjunto das energias renováveis. E tudo isto com uma particularidade importante: a aposta nas renováveis foi acompanhada de medidas políticas que levaram à criação em Portugal de um novo “cluster” industrial de elevado valor tecnológico, que gerou emprego qualificado e rapidamente se afirmou no quadro das nossas exportações.

Graças ao investimento nas energias renováveis, Portugal começou a enfrentar, finalmente, um dos mais graves problemas estruturais da economia portuguesa: o problema crónico da dependência energética nacional, responsável por quase metade do desequilíbrio das nossas contas com o exterior. Segundo os dados da Direcção-Geral de Energia e Geologia, a aposta política nas energias renováveis fez reduzir, de forma expressiva e consistente, a dependência energética nacional, que em 2005 chegou a atingir os 88,8% e em 2012 já tinha caído para cerca de 77%. Na mesma linha, o comunicado conjunto da Associação Portuguesa de Energias Renováveis e da Quercus, divulgado esta semana, revela que a elevada produção de electricidade a partir de fontes nacionais renováveis verificada em 2013 permitiu não só reduzir substancialmente a importação de electricidade mas também poupar (mesmo sem contabilizar o contributo da grande hídrica) cerca de 806 milhões de euros na importação de combustíveis fósseis (gás natural e carvão) e 40 milhões de euros em licenças de emissão de dióxido de carbono (que teriam sido necessárias se fosse preciso recorrer às centrais tradicionais, altamente emissoras de gases com efeito de estufa).

A decisão política de investir nas energias renováveis fez, pois, toda a diferença. E fez a diferença porque não se limitou a enunciar objectivos longínquos ou a descrever no papel uma reindustrialização imaginária. Pelo contrário, gerou movimento e criou oportunidades. Assumiu uma visão para o futuro do País, mobilizou recursos e fez obra; lançou indústrias e deu empregos; traçou metas e cumpriu. Por consequência, Portugal saltou para a dianteira dos ‘rankings’ internacionais, ousou desafiar o destino medíocre que alguns lhe julgam reservado e tornou-se uma referência mundial num sector altamente competitivo, de tecnologia avançada.

Que a aposta nas energias renováveis tenha sido escolhida pelo pensamento ortodoxo dominante como um dos alvos prioritários a abater, como se devesse ser varrida na enxurrada das ambições “acima das nossas possibilidades”, diz tudo sobre o sentido das “reformas estruturais” de que tanto nos falam. E o sentido, para onde quer que se olhe, é só um: retrocesso.

 

Artigo publicado no Diário Económico