Quando se pensava que já tínhamos visto tudo, eis que a dupla Passos/Gaspar aparece no Parlamento não com um, nem com dois, mas com 4 orçamentos diferentes…
Quando se pensava que já tínhamos visto tudo, eis que a dupla Passos/Gaspar aparece no Parlamento não com um, nem com dois, mas com 4 orçamentos diferentes: I) o segundo Orçamento Rectificativo de 2012 (para minimizar os efeitos do fracasso do Governo nas metas do défice deste ano); II) o Orçamento para 2013 (com o seu “enorme aumento de impostos”, para compensar a derrapagem nas metas do défice real de 2012); III) o pré-anúncio de um Orçamento Rectificativo para 2013 (com medidas adicionais de corte na despesa, porque ninguém acredita no Orçamento apresentado) e iv) o anúncio das linhas gerais do Orçamento para 2014, em que a redução do défice, para 2,5% do PIB, implicará um corte estrutural na despesa pública da ordem dos 4 mil milhões de euros. Foi a propósito da “concretização” desta tarefa – nada mais do que isso – que o primeiro-ministro falou da famosa “refundação do Memorando”.
A “mixórdia de temáticas” imposta por esta caótica “avalanche” orçamental, agravada pelo desorientado debate sobre uma enigmática “refundação” do Memorando, tem prejudicado um debate lúcido sobre o que está em causa. Pela minha parte, creio que há dois pontos cruciais a sublinhar.
O primeiro, é para notar que esta “avalanche” orçamental evidencia, de forma clara, o falhanço rotundo da estratégia do Governo, assente numa lógica de austeridade além da “troika” que, arrasando a economia, acabou por falhar nas próprias metas de redução do défice. Por consequência, aí temos o Governo, desconjuntado, com orçamentos em catadupa, a correr atrás do prejuízo que causou: o Rectificitativo de 2012 só consegue colmatar uma pequena parte do desvio na execução orçamental deste ano e mesmo o Orçamento para 2013, que ainda nem sequer está aprovado, já não dispensa “medidas adicionais”. Por incrível que pareça, é por este rumo que o Governo pretende prosseguir, deixando pelo caminho um rastro de destruição. No horizonte, porém, apenas desesperança: a certeza de que isto não nos leva a lado nenhum.
Perante este fracasso, faria sentido – e é este o segundo ponto crucial – um debate sério sobre as alternativas a uma receita que provou não dar bons resultados. Uma tal alternativa, sim, poderia merecer o justo título de “refundação”. Mas não é isso o que o Governo quer. Cego de si mesmo, indiferente aos resultados, o Governo não reconhece nenhum erro, nem pretende corrigir coisa alguma. Por isso, não pôs à discussão nenhuma estratégia, nenhum calendário, nenhuma agenda fora da cartilha.
Deixemo-nos, pois, de ilusões: a verdade é que a “refundação” já foi. Foi-se fazendo, primeiro, ao longo das sucessivas revisões unilaterais do Memorando, que adulteraram e subverteram os equilíbrios do Memorando inicial negociado pelo Governo do PS, em que se procurou proteger, na medida do possível, a economia e as famílias. A cada revisão, porém, o Governo somou mais austeridade à austeridade e retirou mais economia à economia. Foi essa “refundação” do Memorando que se consumou agora, também unilateralmente, na 5ª revisão, onde ficaram fixadas as novas metas para os próximos anos e se definiu o corte de 4 mil milhões de euros na despesa até 2014.
Impõe-se, por isso, denunciar a mistificação de um pretenso envolvimento do PS, dos parceiros sociais ou seja lá de quem for numa falsa “refundação” do Memorando. A “refundação” do Memorando, aquela que conta, consiste numa estratégia que é hoje um facto consumado: só lhe falta a execução, isto é, a operação de distribuição dos cortes pelas várias áreas, sobretudo do Estado Social, Ou, como prefere dizer o primeiro-ministro, o “exercício” de corte. Mas se foi o Governo quem escolheu, unilateralmente, esta estratégia de empobrecimento e retrocesso social, então o Executivo que a execute. Porque quem estiver contra essa estratégia de desastre, não poderá fazer outra coisa senão dar-lhe oposição.
Artigo publicado no Diário Económico