Estava o País suspenso das decisões do Governo sobre as novas medidas de austeridade e eis que o Presidente da República decidiu avançar com uma surpreendente ofensiva de condecorações “por serviços prestados à internacionalização da economia portuguesa”.
Por coincidência, calhou que em meia dúzia de agraciados cinco fossem ex-membros de Governos do PSD ou activistas das campanhas eleitorais do próprio Presidente. É caso para dizer: sempre há mais justiça no critério de atribuição da factura da sorte!
Não está em causa que os agraciados tenham dado – certamente, uns mais do que outros – um contributo relevante para a internacionalização da nossa economia.
O que está em causa é o critério grosseiramente tendencioso das escolhas do Presidente, que confirmam a sua incapacidade para se elevar à condição de Presidente de todos os portugueses. Por muito que tenham feito, e certamente fizeram, Pedro Reis (presidente cessante da AICEP e administrador do Instituto Sá Carneiro), Faria de Oliveira (ex-presidente da CGD e ex-Ministro dos Governos de Cavaco Silva), António Mexia (Presidente da EDP e ex-Ministro do Governo de Santana Lopes), Alexandre Relvas (ex-secretário de Estado no Governo de Cavaco Silva e ex-director da primeira campanha eleitoral do Presidente) e Filipe de Botton (Presidente da Logoplaste e colaborador regular das iniciativas e das campanhas presidenciais de Cavaco Silva), salta à vista que, se houvesse um módico de isenção e equidade nos critérios do Palácio de Belém, estas figuras não poderiam ser agraciadas por serviços prestados à internacionalização da economia sem que várias outras, do mundo empresarial e de outras proveniências políticas, o fossem também. E não é a inclusão na lista da ex-presidente do Porto se Sines, Lídia Sequeira, próxima do PS, que chega para disfarçar a partidarite aguda que estas escolhas do Presidente reflectem.
O pior, todavia, é que esta visão selectiva dos contributos para a internacionalização da economia portuguesa não se limita a recompensar fidelidades: está, isso sim, ao serviço de uma narrativa política e constitui parte integrante de um verdadeiro discurso de facção. O que se pretende é absolutamente claro: fazer um completo apagão sobre as múltiplas iniciativas que foram lançadas pelo Governo anterior no sentido da dinamização da diplomacia económica e da abertura de novos mercados, bem como do lançamento de projectos de modernização tecnológica e de investimento industrial que hoje contribuem de forma decisiva para explicar o bom desempenho das nossas exportações.
Do que se trata, por exemplo, é de escamotear que se as duas maiores empresas exportadoras portuguesas são hoje a GALP e o grupo Portucel/Soporcel isso se deve, em larga medida, aos projectos industriais de Sines e de Setúbal que foram lançados e apoiados durante os Governos do Partido Socialista. Tal como se hoje estamos a reduzir a nossa dependência energética isso é porque em devido tempo foi feita uma aposta nas energias renováveis que fez nascer um verdadeiro ‘cluster’ industrial com capacidade exportadora de alto valor acrescentado. Ou se os nossos empresários fecham agora importantes negócios na Venezuela é porque, apesar das críticas de muitos, as portas desse mercado foram abertas depois de anos de esquecimento.
Uma coisa é certa: se todos sabemos quem protagonizou nos últimos anos – ao nível do Governo anterior, da AICEP e das empresas – os contributos decisivos para este movimento de internacionalização da economia portuguesa, o Presidente da República também sabe. O único problema é que a verdade histórica não convém à narrativa política que explica o estranho critério destas comendas. A propósito, vale a pena perguntar: porque é que estas condecorações eram tão urgentes que não podiam esperar pelo dia 10 de Junho?
Artigo publicado no Diário Económico