06.03.15

As forças do eixo

Depois da recente entrevista do presidente da Comissão Europeia ao El País, não adianta a Passos Coelho continuar a insistir na sua mentira: está confirmado que Portugal foi ainda mais exigente do que a própria Alemanha nas negociações com a Grécia.

Uma atitude absurda e frontalmente contrária aos interesses do projecto europeu e de Portugal.

A tensão entre Portugal e a Grécia começou a dar nas vistas logo no final da reunião do Eurogrupo, de 20 de Fevereiro, com o ministro das Finanças grego, Yanis Varoufakis, a ter de invocar as “boas maneiras” para se abster de dizer “a verdade” sobre as posições assumidas pela ministra das Finanças portuguesa. Na altura, Maria Luís Albuquerque pôs o seu ar mais angélico para explicar que não sugeriu a alteração sequer de “uma vírgula” no acordo que veio a ser assinado por todos.

Limitou-se a fazer, com o melhor “espírito construtivo”, uma pequeníssima proposta e ainda por cima “meramente procedimental”. Qual? Apenas isto: que fosse a ‘troika’ a avaliar as medidas apresentadas por Atenas. Realmente, não se percebe porque é que uma ideia tão simpática e tão boa foi tão mal recebida…

A verdadeira história sobre a posição portuguesa nas negociações com a Grécia começou a ser revelada logo a seguir à reunião do Eurogrupo pela imprensa europeia, incluindo pela imprensa alemã. O Die Welt garantiu mesmo que a ministra das Finanças teria pedido pessoalmente ao ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, “para se manter duro com a Grécia”. A atitude implacável do Governo português foi mais tarde confirmada pelas bombásticas declarações do primeiro-ministro grego, numa reunião partidária em Atenas. Alexis Tsipras, citado pela agência espanhola Europa Press, não poupou nas palavras: “deparámo-nos com um eixo de poderes, liderado pelos governos de Espanha e Portugal que, por motivos políticos óbvios, tentou levar a Grécia para o abismo durante todas as negociações”. Segundo Tsipras, este “eixo contra Atenas” teria um objectivo político claro: “derrubar o governo do Syriza e fazer fracassar as negociações”, antes que o exemplo da Grécia afecte outros países e, principalmente, as eleições em Espanha.

A resposta foi dada no próprio dia pelo primeiro-ministro português. Em entrevista ao Expresso, Pedro Passos Coelho insistiu na sua versão angelical das coisas: Portugal, garantiu ele, esteve “alinhado com todos os outros 17 países da zona euro” numa posição de “exigência natural” quanto ao cumprimento dos compromissos gregos. A ideia de que Portugal teria sido “um dos países mais exigentes” com Atenas, disse ele, “não é verdadeira”. Disse e ficou escrito. Em conformidade, seguiu de imediato para Bruxelas uma queixa de Portugal e de Espanha, na expectativa de uma palavra de condenação das declarações de Tsipras. De pouco valeu: o melhor que obtiveram foi um apelo geral à moderação na linguagem e uma embaraçante recordatória, pela porta-voz da Comissão Europeia, Mina Andreeva, de que os tratados europeus protegem a “liberdade de expressão”.

É preciso ler a entrevista que o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, deu esta semana ao jornal El País para perceber porque é que a Comissão Europeia se recusou a sair em defesa dos governos de Portugal e de Espanha ante as graves acusações de Tsipras. E a razão é simples: como já todos tínhamos percebido, a versão de Passos Coelho sobre as negociações com a Grécia é pura e simplesmente falsa. Embora reconheça que “não se apercebeu” de que Portugal e Espanha tivessem propriamente “um plano diabólico” para fazer cair o Governo grego, o relato de Jean-Claude Juncker desmente frontalmente a versão de Passos Coelho segundo a qual Portugal teria estado nas negociações com a Grécia rigorosamente “alinhado” com todos os outros países da zona euro. Pelo contrário, Juncker revelou, preto no branco, que houve um conjunto de países ainda mais severos do que a Alemanha (e nomeou-os: Holanda, Finlândia, Eslováquia, os bálticos e a Áustria…), destacando, de entre todos, Portugal e Espanha por terem sido “muito exigentes” nas últimas semanas.

É lamentável que a palavra do primeiro-ministro tenha de ser frontalmente desmentida pelo próprio presidente da Comissão Europeia. Mas pior ainda é termos um Governo aliado às forças do eixo, contra os interesses do projecto europeu e contra o interesse nacional.

 

Artigo publicado no Diário Económico