Passos e Portas apresentaram o esboço das suas promessas eleitorais em forma de “garantias”. Foi bonito.
Mas ao fim de quatro anos de promessas não cumpridas, a única verdadeira garantia que temos é que a palavra deles não merece confiança.
Agora é a sério, dizem eles, com ar solene e olhos postos nas câmaras de televisão. Como se nada se tivesse passado e não tivessem sido eles a decidir cortes inéditos e brutais nas pensões já atribuídas, Passos Coelho e Paulo Portas vêm agora dizer, imagine-se, que assumem o dever de garantir a “previsibilidade” e “segurança” no pagamento das pensões. Quais? Segurem-se: todas, “actuais e futuras” (que eles, em tempo de eleições, não fazem a coisa por menos). Mais garantem que para a próxima será diferente e juram que vão passar a governar no respeito pela muito respeitável, e aliás douta, jurisprudência do excelentíssimo Tribunal Constitucional. Não há como negar: embora súbito, o respeito de Passos e Portas pela Constituição e pelos direitos dos pensionistas é tanto que chega a ser comovente.
A pergunta óbvia é esta: que valor têm as “garantias” de última hora que Passos e Portas pretendem dar aos eleitores? Tendo em conta o divórcio entre o que agora é prometido e a prática da governação nos últimos quatro anos, não se vê como é que, fora das fidelidades partidárias, alguém ainda pode ter a dose de ingenuidade suficiente para acreditar nestas promessas, vindas de quem vêm. E não é apenas a prática da governação que retira credibilidade às “garantias” agora apresentadas, é também o que já sabemos sobre as intenções da coligação PSD/CDS para o futuro.
Veja-se, mais uma vez, este caso dos direitos dos pensionistas: afinal, que valor tem o facto de Passos e Portas virem agora garantir “previsibilidade” e “segurança” aos pensionistas quando ainda há dias a própria Ministra das Finanças explicou que a verdadeira intenção da coligação PSD/CDS é cortar mais 600 milhões de euros na segurança social e expressamente admitiu que esse corte poderá ser feito precisamente através de cortes nas pensões já atribuídas?
Para as lideranças da direita, isso agora não interessa nada. O tempo é de pura encenação e propaganda. Mas há limites e permanece em vigor uma regra básica: tudo o que é demais não presta. E o problema é mesmo esse: as “garantias” de Passos e Portas são demais para ser verdade.
Entendamo-nos: quem mandou os jovens emigrar e prejudicou gravemente as condições de vida das famílias, não pode agora aparecer a “garantir” que vai promover a natalidade e enfrentar o problema demográfico; quem desinvestiu na escola pública, aumentou as taxas de retenção no ensino básico e acabou com o programa “Novas Oportunidades”, não pode agora “garantir” que a sua prioridade vai passar a ser a qualificação das pessoas; quem degradou os serviços públicos, paralisou o funcionamento dos tribunais, semeou o caos nas urgências, cortou na protecção social e agravou a pobreza e as desigualdades, não pode agora “garantir” que se vai transfigurar em defensor do Estado Social; quem foi incapaz de fazer a reforma do Estado e não hesitou em suspender o programa Simplex, não pode agora “garantir” que está apostado na qualificação da administração pública e no combate à burocracia; quem falhou todas as metas de consolidação das contas públicas e bateu todos os recordes de aumento da dívida pública não pode agora “garantir” que a vai baixar; quem escolheu a austeridade “além da troika”, fez o enorme aumento de impostos, cortou nos salários, cortou nas pensões, cortou no investimento e conduziu a economia à mais grave recessão de que há registos, fazendo disparar o desemprego e destruindo mais de 400 mil postos de trabalho em apenas quatro anos, não pode agora “garantir” que, mantendo a mesma política, vai ser capaz de promover um ciclo de investimento, crescimento económico e criação de emprego.
Quando se lê a “carta de garantias” de Passos e Portas, distante como está da sua prática política dos últimos anos, o que ocorre é a velha pergunta: pode alguém ser quem não é? Todos sabemos a resposta. Mas quando se percorrem as “linhas de orientação geral para a elaboração do programa eleitoral do PSD e do CDS”, com todas as suas promessas para amanhãs que cantam, o que apetece perguntar é outra coisa: afinal, qual é a alavanca que sustenta tantas promessas de um novo ciclo de crescimento para a economia portuguesa? Essa resposta é menos evidente mas, bem vistas as coisas, está lá nas entrelinhas e não podia ser mais decepcionante: a mesma fé de sempre nas virtudes da “austeridade expansionista”. Para lá da propaganda, é esse, outra vez, o programa da direita. Nem mais, nem menos.
Artigo publicado no Dirário Económico