Começaram, finalmente, as negociações formais do Brexit e, como se esperava, não começaram bem para as pretensões iniciais do Reino Unido. Depois de Theresa May ter sido obrigada a aceitar a lógica da negociação sequencial imposta pela União Europeia (primeiro o acordo de divórcio e a regulação dos direitos dos cidadãos, só depois a negociação da relação futura), o Governo britânico – apesar das fanfarronices de Boris Johnson em sentido contrário – foi também forçado a reconhecer que, afinal, o Brexit implica mesmo um muito delicado e dispendioso acerto de contas quanto aos volumosos compromissos financeiros já assumidos pelo Reino Unido no quadro europeu. Assim, a cada passo que se dá, a “linha dura” pré-anunciada pelo Governo britânico vai-se resumindo a isto: umas tiradas retóricas para consumo político interno, cada vez mais desfasadas da realidade das negociações.
Impressiona, sem dúvida, que um país como o Reino Unido tenha embarcado nesta tremenda aventura do Brexit sem que tenha feito uma avaliação cuidada das suas consequências e, sobretudo, sem que ninguém se tenha dado ao trabalho de planear de forma minimamente séria o dia seguinte. O simples facto de ter passado quase um ano (!) entre a data do referendo e a simples formalização do pedido de saída diz tudo sobre a total impreparação do Governo britânico para enfrentar a imensa complexidade deste irresponsável movimento de rutura. E os sucessivos recuos nas posições de força iniciais só confirmam isso mesmo.
O caso da pertença do Reino Unido à Euratom é particularmente ilustrativo – e ameaça tornar-se particularmente embaraçante. Depois de ter indicado, expressamente, que a saída do Reino Unido da União Europeia implicaria também a sua desvinculação do acordo de cooperação em matéria de energia atómica, o Governo de Theresa May parece ter–se dado conta, tarde e a más horas, da enorme perturbação que essa decisão acarretaria para o futuro e, porventura, a própria sobrevivência de toda a indústria nuclear britânica. Convenhamos, não é um pequeno lapso e mostra bem a ligeireza de tudo isto.
A próxima ilusão dos partidários do Brexit a cair à mesa das negociações pode ser, porém, a mais dura de todas: a visão minimalista de Theresa May quanto aos direitos dos cidadãos europeus que atualmente residem no Reino Unido. Ao contrário do que a proposta inicial do Governo britânico sugere, é evidente que a União Europeia não pode aceitar uma espécie de “revisão em baixa” dos direitos já adquiridos pelos seus cidadãos. E quanto mais tempo o Reino Unido demorar a compreender esta evidência, mais o ruído da contagem decrescente para o fim do prazo previsto para as negociações do Brexit se tornará ensurdecedor.
Artigo publicado no Jornal de Notícias