Apesar da ridícula histeria da direita e do nervosismo de alguns comentadores, António Costa vai levando a água ao seu moinho e está à beira de conseguir um importante sucesso negocial em Bruxelas com a viabilização do Orçamento para 2016.
Um dos compromissos políticos do PS, convém recordar, era ter uma atitude mais enérgica na defesa do interesse nacional junto da UE. Nada de novo: é assim que os outros países fazem há muito tempo, num esforço permanente de negociação e compromisso.
Foi exactamente assim que França, Itália e Áustria, por exemplo, negociaram, com pequenas concessões, os seus orçamentos e é assim que o Reino Unido está neste momento a negociar todo um caderno reivindicativo, tendo em vista o referendo sobre a sua permanência na própria UE. É claro, era outra a famigerada cultura do “bom aluno” alimentada pelo governo PSD/CDS: “Se eles, que até falam estrangeiro, mandam, a nossa obrigação de país humilde, pobre e pequeno, é obedecer”. Esta atitude submissa e subserviente foi cumprida com tamanho excesso de zelo que Passos e Portas chegaram ao ponto de perfilhar, por incrível que pareça, uma assumida estratégia de empobrecimento do país e fizeram até questão de ir “além da ‘troika’”, aplicando o dobro da austeridade que estava prevista no memorando inicial.
Os resultados são conhecidos: três anos consecutivos de recessão, níveis nunca vistos de desemprego, vagas de emigração em massa, queda abrupta da natalidade, derrocada ou venda ao desbarato dos activos estratégicos nacionais e, não obstante toda a austeridade, falhanço absoluto nas metas do défice e aumento exponencial da dívida pública. Foi por todas estas excelentes razões que a maioria dos portugueses votou por uma mudança de política.
Não seria de esperar, evidentemente, que uma inflexão importante na política de austeridade pudesse acontecer sem alguma resistência de Bruxelas, onde há muita gente que olha para Portugal a pensar em Espanha e ainda prevalece, apesar dos sinais de maior flexibilidade, a doutrina austeritária. Todavia, com cedências de parte a parte, a aproximação de posições, embora não sendo total (nem isso seria de esperar), permite perspectivar um OE para 2016 capaz de cumprir integralmente o triplo objectivo nuclear da política económica do Governo socialista e da maioria de esquerda: aumentar os rendimentos das famílias, pôr fim ao ciclo de empobrecimento e estimular o crescimento da economia e do emprego.
Tudo isto, obviamente, aflige a direita – e, pelos vistos, não é pouco. Afinal, entre o défice mirabolante de 1,8% que Passos e Portas pretendiam atingir em 2016 (e que inscreveram no PEC enviado para Bruxelas em Abril) e os 2,4% que António Costa agora negociou com a Comissão Europeia há uma diferença enorme de 0,6 p.p. do PIB. Ou seja, os portugueses vão sofrer menos mil milhões de euros de austeridade do que queriam PSD e CDS! De uma assentada, ficarão assim à vista três verdades, todas elas muito importantes, mas também muito inconvenientes para a direita: primeiro, sempre vale a pena “bater o pé” em Bruxelas para defender o interesse nacional; segundo, é possível pagar salários e pensões por inteiro, repor os apoios sociais, eliminar a sobretaxa e até aumentar o salário mínimo em concertação social; terceiro, afinal foi boa ideia mudar de Governo.
Artigo publicado no Diário Económico