A fragilidade do Governo Conservador de Theresa May é tanta que a rainha Isabel II não achou que fosse caso para usar coroa e traje de cerimónia por ocasião da leitura do famoso “Queen”s Speech”, o momento solene em que a monarca cumpre a tradição de se deslocar a Westminster para ler o discurso de apresentação do programa do Governo diante do Parlamento reunido na Câmara dos Lordes. A razão desta atitude compreende-se bem: abalado pela perda da maioria absoluta, incapaz de assegurar um acordo célere com os unionistas irlandeses e dilacerado pelo drama do incêndio na Grenfell Tower, era um Governo enfraquecido e ainda de futuro incerto aquele que May tinha para apresentar pela voz da rainha. A circunstância, de facto, merecia tudo menos pompa.
Se o cerimonial de Westminster tornou bem visível a enorme fragilidade política do Governo de Theresa May, onde essa fragilidade ficou exposta em todo o seu esplendor foi em Bruxelas, no arranque das negociações do Brexit, que se iniciaram também esta semana. Apesar da retórica britânica insistir ainda na estratégia do chamado “hard Brexit” – assente na saída total do Mercado Único (para recuperar o controlo da política comercial e aduaneira) e no fim da liberdade de circulação de pessoas (para recuperar o controlo das fronteiras e impor uma política restritiva de imigração) – a verdade é que o Governo Conservador foi forçado a fazer, logo nos primeiro dias de negociações, duas cedências de monta: primeiro, teve de abdicar da sua anunciada pretensão de negociar em simultâneo o “divórcio” e a futura parceria com a União Europeia, para se sujeitar à lógica de “negociação sequencial” imposta por Bruxelas; segundo, anunciou uma proposta para garantir aos cidadãos europeus residentes no Reino Unido (naturalmente, em condições de reciprocidade com os cidadãos britânicos residentes na União Europeia) a preservação dos seus direitos, incluindo direitos de residência e direitos sociais. Apesar de formulada ainda em termos muito insuficientes, esta proposta britânica traduz um primeiro reconhecimento de que, ao contrário do que muitos sugeriram na campanha do referendo, não é possível passar por cima dos direitos dos cidadãos europeus. E assim se esfumou mais uma das ilusões propagandeadas pelos partidários do Brexit.
À medida que o fragilizado Governo de Theresa May vai moderando o tom “duro” que marcou as suas declarações pré-negociais até à perda da maioria absoluta, o “hard Brexit”, mesmo que ainda não se tenha convertido propriamente num “soft Brexit”, vai-se tornando num Brexit, pelo menos, descafeinado. E ainda a procissão vai no adro.
Artigo publicado no Jornal de Notícias