21.03.23

‘Brexit’ e Irlanda do Norte: luz ao fundo do túnel

O Parlamento Europeu aprovou esta semana, por maioria muito expressiva, o meu relatório sobre os primeiros três anos de implementação do Acordo do Brexit, que regulou o divórcio entre o Reino Unido (RU) e a União Europeia (UE). Além de manifestar preocupação com questões ainda pendentes quanto aos direitos dos cidadãos, o relatório aponta aquela que tem sido a questão mais problemática na implementação do Acordo de Saída: o reiterado incumprimento pelo RU dos compromissos que assumiu no Protocolo da Irlanda do Norte.

Este protocolo, recorde-se, foi a solução acordada para, apesar do ‘Brexit’, salvaguardar o Acordo de Sexta-Feira Santa, evitando o restabelecimento de uma fronteira física entre as duas Irlandas, ao mesmo tempo que se garante a integridade do Mercado Único Europeu. Não podendo instalar-se controlos na nova fronteira externa da União, ficou acordado que eles teriam lugar no mar da Irlanda, entre a Grã-Bretanha e a Irlanda do Norte, em pleno território do RU, pelo que ficariam a cargo das autoridades britânicas, com acompanhamento pelas autoridades aduaneiras europeias. O incumprimento pelo RU destas obrigações é da maior gravidade e abriu portas a um permanente litígio, de nada valendo a paciente disponibilidade da Comissão Europeia para encontrar soluções negociadas.

Todavia, foi possível alcançar, nas últimas semanas, um acordo de princípio — o chamado Windsor Framework — para uma mais flexível, mas também mais efetiva, implementação do protocolo. Para além da operacio­nalização da partilha de dados aduaneiros, a chave do entendimento é a distinção, no mar da Irlanda, entre uma “via verde”, isenta de controlos fronteiriços, para os bens destinados a consumo final na própria Irlanda do Norte, e uma “via vermelha”, reservada aos bens que têm por destino o Mercado Único Europeu, em relação aos quais o RU garante a realização dos procedimentos de controlo aduaneiro, sanitário e fitossanitário conformes às regras europeias.

Junto com o chamado “travão de Stormont” — em que se permite, em circunstâncias excecionais, que um certo número de membros da Assembleia da Irlanda do Norte bloqueiem a entrada em vigor naquele território de futuras normas europeias que afetem a vida das comunidades locais —, as soluções do Windsor Framework representam uma luz ao fundo do túnel nas relações entre a UE e o RU, além de abrirem caminho para o desejado restabelecimento da normalidade institucional e da partilha de poder entre as comunidades rivais da Irlanda do Norte, a tempo de uma celebração condigna dos 25 anos do Acordo de Sexta-Feira Santa.

Cabe agora ao primeiro-ministro, Rishi Sunak, confrontado com a queda nas sondagens e com a crescente desilusão com os maus resultados económicos do ‘Brexit’, conseguir o apoio político suficiente para normalizar as relações com a UE. Se assim for, poderemos, finalmente, começar a falar menos do Acordo de Saída para falar mais do Acordo de Comércio e Cooperação, que visa estruturar uma parceria para o futuro, no interesse de ambas as partes.

Artigo publicado no Jornal Expresso de 17/03/2023.