Consumada que foi a saída do Reino Unido (RU) da União Europeia – uma página triste na história da Europa, vivida com justificada emoção no Parlamento Europeu – é tempo de construir uma relação futura positiva para ambas as partes. Honrando a sua aliança histórica, Portugal terá certamente uma atitude construtiva nestas negociações, sem perder de vista a sua condição de membro solidário da União Europeia, integrado – e interessado – no mercado único e na união aduaneira.
O Acordo de Saída permitiu, para já, limitar alguns danos do Brexit, salvaguardando os direitos dos cidadãos (incluindo dos portugueses residentes no RU) e garantindo as condições para manter abertas as fronteiras entre as duas Irlandas. Além disso, foi instituído um período de transição (até ao final de 2020, prorrogável) durante o qual as regras atuais se mantêm e nada se altera na vida dos cidadãos e das empresas. É neste curto período de transição que deve ser negociada a nova parceria e só no final se saberá se o cenário negro de um “Brexit sem acordo” foi evitado ou apenas adiado. O Brexit é, portanto, uma história inacabada.
A tarefa confiada aos negociadores é imensa e complexa. A Declaração Política que acompanha o Acordo de Saída assume a ambição de uma parceria estratégica sem precedentes, à altura dos interesses de ambos os vizinhos e dos desafios que permanecem comuns. Um dos problemas a resolver diz respeito à própria arquitetura do que vai ser negociado, sendo que Parlamento Europeu e Comissão Europeia defendem um acordo-quadro de associação com três pilares: uma parceria económica e comercial, regulando diversas áreas setoriais e os termos e contrapartidas da participação do RU em certos programas europeus de interesse comum; uma parceria de política externa, defesa e segurança; e uma estrutura de governação do acordo, incluindo mecanismos de resolução de litígios.
A chave das negociações reside no equilíbrio entre a ambição de uma zona de comércio livre com zero tarifas, zero quotas e um mínimo de controlos fronteiriços e, por outro lado, a necessidade de prevenir distorções na concorrência, assegurar a integridade do mercado único e manter os elevados padrões europeus de proteção ambiental, social e laboral, bem como de segurança alimentar e direitos dos consumidores. O Brexit acontece em nome da vontade de divergir das regras europeias, seja por via de legislação própria ou de acordos comerciais. Por isso, se os acordos comerciais habitualmente promovem a convergência, neste caso o que importa é gerir o risco de uma divergência crescente. Não será fácil.
A falta de vontade política do RU de assegurar um alinhamento regulatório e, menos ainda, um alinhamento dinâmico com as regras europeias, ou sequer de garantir um princípio de não-retrocesso face aos padrões atuais, não poderá deixar de ter consequências proporcionais no acesso ao mercado europeu e na ambição do acordo comercial a negociar. Não é isso, é certo, o que temos ouvido da parte do Governo britânico, mas, como se viu na solução para a fronteira da Irlanda que Boris Johnson acabou por ter de aceitar, as ilusões do Brexit são incontornáveis e não deixarão de chocar com a realidade.
Pedro Silva Pereira é Vice-Presidente do Parlamento Europeu e membro do grupo de coordenação para as negociações entre a UE e o Reino Unido
Artigo publicado na edição de 08.02.2020 do jornal Expresso.