O autor do relatório sobre a nova arquitetura do Parlamento Europeu, o eurodeputado português Pedro Silva Pereira, esclarece que o Reino Unido terá de realizar eleições europeias, previstas para maio, caso haja um pedido de extensão do prazo para a saída da União Europeia (a chamada extensão do Artigo 50.º)
A cerca de dois meses da saída do Reino Unido da União Europeia – e a poucos dias da votação do acordo de retirada no Parlamento britânico – adensam-se as dúvidas sobre os próximos passos. Nomeadamente, por tudo se encaminhar para a rejeição do documento e por “aquilo que ninguém quer” – a saída abrupta – ser “a mais provável” com os dados atuais.
Perante este cenário, em Bruxelas a possibilidade de um pedido de extensão do prazo para a saída é um tema cada vez mais recorrente e vista até, por alguns, como a “única saída”. E mesmo em Londres a hipótese é admitida, entre a oposição, como “inevitável”.
“Nesta circunstância, há um sem-número de situações para acautelar”, comenta uma fonte conhecedora do andamento das negociações, considerando que “o facto de haver perguntas sem resposta”, nomeadamente “o que acontece aos eurodeputados britânicos ou como proceder relativamente às perspetivas financeiras [Orçamento da UE]”. São questões que, “por não terem sido consideradas”, tornam “improvável” um pedido de extensão do prazo. “Nem sei como é que isso se faz”, comentou a fonte oficial.
Acresce que o governo britânico tem insistentemente dito que “o Artigo 50.º não será estendido”. E, já este ano, o secretário de Estado para o Brexit, Martin Callanan, garantiu em Bruxelas que o Reino Unido “deixa a UE a 29 de março, porque é isso que o Artigo 50.º diz, foi o que o Parlamento votou e é agora o que as leis britânicas dizem também”.
Porém, apesar de um aparente silêncio do lado britânico, a extensão foi considerada oficialmente e há até solução relativamente aos deputados britânicos. A mesma solução foi acautelada por “insistência” do eurodeputado português Pedro Silva Pereira, durante as discussões sobre o documento sobre a futura arquitetura do Parlamento Europeu, na era pós Brexit, do qual foi relator.
O documento já aprovado pelos 28, em junho de 2018, tem uma cláusula em que se diz que a nova composição só entra em vigor “quando o Brexit se tornar juridicamente efetivo”, esclarece o eurodeputado ao DN. Ou seja, “se houver um pedido de extensão da permanência do Reino Unido na União Europeia, (…) deverá haver eleições europeias no Reino Unido e o Reino Unido tem direito a eleger o mesmo número de deputados que tem agora”. Ou seja: 73. Assim, no imediato, o número de eurodeputados não seria reduzido de 751 para 705. Como está previsto.
A cláusula em questão “foi imposta” pelo próprio eurodeputado português, lembra, apesar das “fortes resistências”, entre outras, as do coordenador do Parlamento Europeu para o Brexit, o eurodeputado e ex-primeiro-ministro belga Guy Verhofstadt. O líder do grupo liberal ALDE na eurocâmara “considerava que não deveria ser dada ao Reino Unido qualquer hipótese de voltar atrás”, sublinha ao DN Silva Pereira.
O deputado socialista nota porém o “absurdo” que seria esta “hipótese”, pois “os direitos políticos dos cidadãos britânicos não estão na disponibilidade de nenhum entendimento político”. E, enquanto o Reino Unido for membro da União Europeia, “os cidadãos britânicos têm direito a votar, portanto, isso significa que haverá eleições europeias”, para eleger “o mesmo número de deputados que têm agora”. Em maio. Tal como acontecerá nos restantes Estados membros. Em Portugal, as eleições europeias acontecem a 26 de maio.
A hipótese defendida por Guy Verhofstadt, de não acautelar um pedido de extensão, na legislação que foi redigida, foi classificada como “irresponsabilidade” por Pedro Silva Pereira. Isto porque não estavam previstas todas as eventualidades. Quando “a responsabilidade do legislador é acautelar todos os cenários”, refere.
O que está previsto nos tratados é que “os deputados atuais continuem em funções até às eleições europeias. E, o Reino Unido participa”, clarifica o eurodeputado, embora reconheça que, no Parlamento Europeu, há vozes de quem “não estudou bem a matéria” que admitem que “pudesse fazer parte de um eventual acordo para prolongar o Artigo 50.º no Reino Unido não houvesse eleições no Reino Unido”.
O Reino Unido votou para sair da UE a 23 de junho de 2016 e, a 29 de março de 2017, acionou o Artigo 50.º do Tratado de Lisboa, que regula a saída de um país da UE. Assim, os britânicos devem sair da UE a 29 de março de 2019. Se tudo corresse bem, à luz do acordo do Brexit, fechado entre Londres e a UE27 em novembro. Mas como não está tudo a correr propriamente bem, outros cenários se abrem, como o de um Brexit sem acordo, como o de uma extensão do Artigo 50.º, como o de eleições antecipadas ou de um segundo referendo. Tudo está, para já, em aberto.
O Parlamento Europeu volta a reunir-se em sessão plenária em Estrasburgo a partir desta segunda-feira, dia 14, tendo previsto para quarta-feira de manhã precisamente um balanço sobre a questão do Brexit.
Entrevista publicada no Diário de Notícias