Apesar das divergências políticas, importa afirmar o terreno comum de uma grande coligação pró-europeia que devolva ambição ao projecto europeu e faça sentido para os cidadãos.
Foi de costas voltadas, numa atitude ostensiva de confrontação e desrespeito, que uns quantos deputados de extrema-direita assistiram esta semana à execução do hino da Europa na cerimónia inaugural do novo Parlamento Europeu. Uma minoria, é certo. Mas também é certo que o projecto europeu está longe de ter superado a maior crise da sua história e tem agora no seu interior mais adversários do que nunca. Declarados e descarados. É por isso que, apesar das divergências políticas, importa afirmar o terreno comum de uma grande coligação pró-europeia que devolva ambição ao projecto europeu e faça sentido para os cidadãos.
Convém, em todo o caso, não perder o sentido das proporções: no mosaico político saído das últimas eleições para o Parlamento Europeu, as forças políticas pró-europeias continuam a ser largamente maioritárias. O PPE, do centro-direita, em que se integra o PSD e o único deputado que o CDS conseguiu eleger, continua a ser a maior força política (29,4%), apesar de ter perdido mais de 50 mandatos. E o segundo maior grupo político, com uma muito ligeira redução, continua a ser o dos Socialistas e Democratas (25,4%), em que está inserido o PS. Seguem-se, a grande distância, os grupos que trocaram de posições entre si como terceira e quarta forças políticas: os Conservadores (9,3%) e os Liberais (8,9%), onde se integra agora o MPT de Marinho Pinto. Depois temos o GUE, ou Esquerda Unida (com 6,9%), que inclui o PCP e o Bloco, e ainda o grupo dos Verdes (6,6%). Só depois, já como sétimo grupo parlamentar, surge o EFDD (6,4%), em que pontifica a formação britânica UKIP, que venceu com grande estrondo as eleições no Reino Unido e aposta tudo no combate à integração europeia. Já a Frente Nacional, da senhora Le Pen, que venceu as eleições em França e se aliou à extrema-direita holandesa, falhou o objetivo de constituir um grupo parlamentar e ficou remetida, com vários outros, para o lote dos chamados deputados “não inscritos” (6,9%). Não obstante, é um facto que o crescimento significativo das forças eurocépticas, de sinal político muito diverso, coloca um desafio novo ao projecto europeu. A que é preciso dar resposta.
A resposta de que a Europa precisa deve desenvolver-se em três planos distintos, todos igualmente decisivos. O primeiro, é o terreno de convergência natural entre as diferentes forças políticas europeístas (como se viu, largamente maioritárias) e respeita à pedagogia dos ideais, dos valores e das conquistas do projecto europeu. Não é uma questão menor: não podemos permitir que os adversários da construção europeia fiquem sozinhos em campo e triunfem com a sua narrativa panfletária e sombria. O segundo, é o domínio da governação política e democrática da Europa e da União Económica e Monetária, que remete para a necessidade de um entendimento alargado quanto a uma reforma das instituições, dos processos de decisão e dos mecanismos de controlo democrático pelos cidadãos de modo a responder à crise de legitimidade que se revelou o terreno favorável para fazer florescer o eurocepticismo. O terceiro plano é o das políticas propriamente ditas, em particular as políticas orçamentais, económicas e sociais – sem dúvida, mais difícil de consensualizar porque esse é o espaço natural da divergência, das alternativas e da escolha política democrática. Mas que não haja ilusões: é aí que tudo se joga. Nenhuma pedagogia europeísta terá sentido e nenhuma reconciliação com os cidadãos será viável enquanto a página da austeridade não for virada e enquanto as políticas europeias permanecerem ostensivamente de costas voltadas para a vida dos europeus.
Artigo publicado no Diário Económico