Elevada taxa de abstenção, derrota generalizada dos governos europeus responsáveis pelas políticas de austeridade e crescimento dos partidos eurocépticos (de extrema-direita e de extrema-esquerda) – eis os factos políticos essenciais que marcam estas eleições para o Parlamento Europeu.
Seria um erro grave pretender iludir a realidade: os europeus expressaram, embora por formas diversas, um claro voto de protesto.
Depois de uma manifestação tão clara de protesto dos eleitores europeus, o pior que podia acontecer seria os responsáveis políticos entrarem em “estado de negação”, como se nada de especial se tivesse passado. Infelizmente, a julgar pelos primeiros comentários de Jean-Claude Juncker, Ângela Merkel e Durão Barroso, parece ser esse o caso. Mas ninguém terá ido tão longe na negação das evidências como o primeiro-ministro português. Disposto a desempenhar até ao fim o seu papel subalterno ao serviço da desastrosa linha austeritária que tem vindo a comandar a Europa nestes últimos anos, Passos Coelho parece disposto não só a ignorar olimpicamente a sua própria derrota, de proporções históricas, como parece decidido a fingir que não vê o generalizado voto de protesto que se expressou em termos tais que têm de entender-se como uma grave ameaça ao futuro do próprio projecto europeu.
Veja-se a extraordinária análise que Passos Coelho nos propõe sobre tudo isto: “Se se isolar o que se passou em França e no Reino Unido, a observação de que houve um crescimento anormal de movimentos anti-europeístas, eurocépticos ou da extrema-direita” não se pode “extrair”. A sugestão, reconheça-se, é notável. Tão notável que apetece perguntar: como é que ninguém se tinha lembrado disto antes? Afinal, é muito simples: se nos recusarmos a ver a realidade, isto é, se pusermos de parte (!) dois esteios essenciais da construção europeia, nada menos do que a França e a Inglaterra, onde a extrema-direita não apenas cresceu mas por acaso até ganhou (!!), com 25 e 26% dos votos, respectivamente, não se passou quase nada de “anormal”.
E, de caminho, para resolver com inteira coerência esse problema do “quase”, basta “isolar” também – isto é, simplesmente não querer ver – o que se passou na Grécia. E, já agora, na Bélgica, na Holanda, na Itália, na Hungria, na Croácia, na Suécia, na República Checa, na Polónia e em todos os outros países em que saíram reforçados os partidos políticos ditos “soberanistas” ou anti-europeus, de diversa coloração política e variado grau de populismo.
Houve tempos em que o défice democrático da União Europeia era uma questão essencialmente de arquitectura institucional. Agora, num Parlamento Europeu reforçado, é antes do mais uma questão puramente política que questiona a distância entre as políticas europeias e a vontade expressa dos cidadãos. E uma coisa é certa: uma democracia que não dá ouvidos ao povo está a traçar o seu próprio destino.
Artigo publicado no Diário Económico