Como vem sendo habitual, uns dias depois de mais uma “cimeira histórica” a poeira começa a assentar. E o que fica à vista revela a monumental encenação que pretendeu fazer crer que esta cimeira tinha sido o que de facto não foi na resposta à crise das dívidas soberanas.
Além dos avanços na direcção da união bancária (de que falaremos noutra ocasião), foi-nos dito que esta cimeira teria ficado marcada pelas “vitórias” de Espanha e de Itália na flexibilização dos instrumentos de apoio de curto prazo e por toda uma nova orientação no sentido do crescimento e do emprego, traduzida num novo “Pacto”.
Merkel, dizem, teria até sido forçada a ceder diante de tanta pressão. Esta versão das coisas terá, certamente, o seu encanto. Só que a verdade é bem diferente.
Quanto à Espanha, disseram-nos que tinha conseguido que o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) prestasse apoio financeiro directamente aos bancos, de modo a não onerar a dívida pública. Mas não é isso que consta da Declaração aprovada na Cimeira da área do euro. O que lá está é que o MEE “poderá” ter a “possibilidade” de recapitalizar directamente as instituições financeiras (sempre mediante condicionalidade adequada e Memorando de Entendimento) “quando estiver efectivamente estabelecido um mecanismo único de supervisão dos bancos da área do euro que envolva o BCE”, isto é, apenas depois de instituída a união bancária – o que não vai acontecer até ao final do ano.
A conclusão é simples: afinal, o pedido urgente de ajuda externa formalizado pela Espanha para salvar o seu sistema financeiro seguirá as regras tradicionais e vai mesmo onerar a dívida pública espanhola.
Quanto à Itália, foi anunciado que teria “conseguido” garantir que os fundos de resgate (FEEF e MEE) seriam usados para adquirir directamente títulos de dívida pública no mercado, de modo a contrariar a pressão especulativa dos juros. A verdade, porém, é que essa possibilidade de intervenção no mercado primário e secundário de dívida soberana já estava prevista no próprio Tratado que instituiu o MEE e continua a depender de pesadíssimas condicionantes, que incluem um prévio Memorando de Entendimento com o Estado interessado e uma decisão unânime do Conselho de Administração do MEE (onde estão representados todos os Estados-membros). Ora, basta recordar a posição prontamente anunciada pela Holanda, pela Finlândia e pela Eslováquia, contra uma tal intervenção do MEE, para se perceber que, afinal, o sr. Monti não obteve garantias de coisíssima nenhuma…
Restam os famosos 120 mil milhões de euros do chamado “Pacto para o Crescimento e para o Emprego”. Que dinheiro é este, afinal? Os primeiros 55 mil milhões não são sequer dinheiro novo: correspondem à normal reprogramação de fundos estruturais já previstos e ainda não utilizados.
Seguem-se uns escassos 4,5 mil milhões de euros afectos a uma primeira experiência de “project-bonds”, sem qualquer impacto económico à escala europeia. Finalmente, temos o reforço do capital do BEI, em 10 mil milhões de euros (único esforço adicional com algum significado) que, alegadamente, permitirá alavancar em cerca de 60 mil milhões de euros a capacidade de financiamento do BEI para a economia de toda a União Europeia. Como está bem de ver – a menos que haja muita poeira nos olhos – só com uma enorme dose de fé na “austeridade expansionista” é que se pode acreditar que uma tão reduzida mobilização de recursos é suficiente para inverter a dramática trajectória recessiva que se instalou na União Europeia.
Artigo publicado no Diário Económico