A flexibilidade na aplicação das regras orçamentais europeias, proposta pelo primeiro-ministro italiano Matteo Renzi, é uma condição indispensável para viabilizar uma agenda de crescimento e emprego minimamente credível.
Infelizmente, o Governo português insiste em ficar do lado errado na defesa da “linha dura” da austeridade.
Tal como Renzi havia feito na semana passada diante do Parlamento Europeu, aquando da apresentação das prioridades da presidência italiana do Conselho, o ministro italiano das finanças, Pier Carlo Padoan, teve a lucidez e a coragem de levar esta semana à reunião do ECOFIN a ideia de permitir uma trajectória mais suave de redução do défice aos países que promovam reformas estruturais favoráveis ao crescimento, capazes de melhorar a situação económico-social e de proporcionar ganhos orçamentais no futuro. Ao que rezam as crónicas, esta proposta, apesar da sua elementar razoabilidade, contou de imediato com a oposição cerrada da Alemanha e dos defensores habituais da “linha dura”, incluindo a ministra das finanças portuguesa, Maria Luís Albuquerque. A tal ponto que o ministro italiano, em busca de um mínimo denominador comum, se viu forçado a esclarecer que não se tratava necessariamente de “alterar” as regras mas, ao menos, de as aplicar com a flexibilidade necessária para utilizar todo o espaço de manobra que elas próprias já consentem.
Seja como for, a flexibilização das regras orçamentais está finalmente no centro do debate europeu, em particular numa zona euro que continua a oscilar entre a recessão e a estagnação e permanece minada por níveis insuportáveis de desemprego. A uma só voz, o ministro das finanças alemão, Wolfgang Schäuble, o líder do banco central alemão, Jens Weidmann, e o líder alemão do PPE no Parlamento Europeu, Manfred Weber, vieram dizer, em alemão escorreito, o que seria de esperar deles: que não é com mais dívida que se produz crescimento, que as reformas não podem ser desculpa para não se fazer a consolidação das contas públicas e que, em suma, as regras do Tratado Orçamental são para cumprir, ponto final. A resposta de Matteo Renzi, no Parlamento Europeu, foi certeira: “Se Weber fala em nome da Alemanha, recordo-lhe que nesta mesma sala, sob a anterior presidência italiana, a Alemanha foi o único país ao qual foi concedida flexibilidade e que violou os limites para ser hoje um país que cresce”.
Não surpreende que o debate sobre a flexibilização das regras orçamentais suscite a oposição e a ira dos principais beneficiários do actual quadro de rigidez austeritária. Afinal, eles reagem em defesa daquilo que julgam ser os seus interesses. O que não se pode aceitar é que, por razões de pura cegueira ideológica, a ministra das finanças e o Governo português continuem a desempenhar o triste papel de figurantes neste filme, colocando Portugal do lado errado, numa posição de total subserviência, ao serviço dos interesses dos outros.
Bem sei, parece que reina no Governo a ideia ingénua, aliás já expressamente teorizada por um governante, de que na construção europeia deste século XXI não há interesses nacionais, só há o interesse comum europeu. Nesta idílica compreensão das coisas, construir alianças para a defesa de interesses convergentes, por exemplo entre as economias dos chamados países periféricos, “é uma ideia do século XIX”. Só que esta concepção, que poderia bem designar-se por “teoria da legitimação da subserviência”, ignora o óbvio: o interesse comum europeu é sempre uma síntese que resulta do contributo de todos e da composição dos interesses nacionais. E quando se abdica de contribuir construindo as alianças necessárias à defesa dos interesses nacionais, o resultado é o que estamos a ver: uma política europeia ao serviço dos interesses de uns, contra os interesses dos outros.
Artigo publicado no Diário Económico