No momento em que, pela mão do Governo, ressurge o debate sobre o plafonamento na Segurança Social, convém recordar que a ideia do plafonamento – enquanto duplo limite, ao valor máximo das pensões e das contribuições – é uma ideia recorrente da direita para satisfazer, de uma só vez, duas tentações perigosas: a tentação populista e a tentação ideológica.
Na vertente populista (que esconde o essencial, como é próprio da demagogia), pretende-se oferecer à imprensa “tabloide” a prova suprema da energia justiceira da direita contra as chamadas “reformas douradas” (não obstante elas serem apenas algumas dezenas e terem expressão financeira reduzida). Na vertente ideológica, bem mais reveladora, a intenção é operar uma privatização parcial da Segurança Social, desviando para o sistema privado as receitas oriundas dos utentes de maiores rendimentos, sob a alegação de que isso permitirá desonerar a Segurança Social de encargos futuros com as pensões mais elevadas.
Antes de mais, é preciso que se diga que o plafonamento do valor das pensões já existe no nosso sistema de Segurança Social desde a reforma de 2007, estando fixado em cerca de 5 mil euros mensais (equivalente a 12 IAS), a menos que os descontos efectivamente realizados ao longo de toda a história contributiva (isto é, sem manipulação ao abrigo de regimes mais favoráveis nos últimos anos da carreira) justifiquem um valor superior. Já hoje, portanto, o valor máximo das pensões está sujeito a limites legais imperativos. Assim, embora a direita teime em falar do “combate às reformas douradas”, o que realmente pretende é outra coisa: consagrar uma regra de “dupla face”, em que ao plafonamento no valor das pensões a pagar pelo sistema público corresponderá um plafonamento no montante das contribuições devidas pelos beneficiários – e, isto sim, seria novo.
Como sucede sempre que esta discussão ressurge, há uma pergunta arreliadora que permanece à procura de resposta: como é que se financia a transição? Se o plafonamento das contribuições retira imediatamente receitas à Segurança Social para gerar vantagens financeiras apenas daqui a trinta ou quarenta anos (quando se efectivar a redução de encargos inerente às pensões plafonadas), com que recursos é que, no entretanto, a Segurança Social pode assegurar o pagamento das reformas aos actuais pensionistas? A melhor prova da ausência de uma resposta convincente, sobretudo no actual contexto de crise financeira, são as sugestões estapafúrdias que se foram ouvindo nos últimos anos em Portugal: “aumenta-se ainda mais a dívida pública”, disseram uns; “vende-se o ouro”, disseram outros; “gasta-se o fundo de estabilização financeira da Segurança Social”, disseram outros ainda. O assunto, como está bem de ver, é demasiado sério para tanta leviandade.
Ainda esta semana, um relatório do FMI sobre a estabilidade financeira mundial apontou a reforma da Segurança Social efectuada em Portugal em 2007 como exemplo a seguir, em especial por ter consagrado uma fórmula automática de ajustamentos periódicos à evolução da esperança média de vida – o chamado “factor de sustentabilidade”. Em vez de ceder às suas tentações populistas e ideológicas, sob inspiração de uma vulgata liberal que vê sempre a privatização como caminho redentor, melhor faria o Governo em tomar nota que este relatório do FMI, depois de estudar várias experiências, aponta uma série de medidas recomendáveis para o reforço da sustentabilidade dos sistemas públicos de Segurança Social – e nenhuma delas é este plafonamento. Por alguma razão deve ser.
Artigo publicado no Diário Económico