No início da semana, Christine Lagarde, directora-geral do FMI, disse que um acordo com a Grécia dependia de uma única coisa: que os negociadores se comportassem como “adultos na sala”.
O que depois se provou é que o problema na sala não era a falta de adultos, mas sim o excesso de elefantes.
À hora a que escrevo, Bruxelas permanece ainda ensombrada pelo espesso fumo negro que sai das sucessivas rondas de negociações com a Grécia. Todavia, paradoxalmente, apesar da enorme intensidade dramática deste prolongado impasse à beira do precipício, todos sabem que é praticamente inevitável que acabe por haver acordo. Em primeiro lugar, porque ninguém quererá assumir o ónus de, com a saída da Grécia, mergulhar a zona euro numa arriscada aventura por “águas desconhecidas” que seria capaz de ressuscitar, mais tarde ou mais cedo, aquele mesmo famigerado “nervosismo dos mercados” que já uma vez arrastou a Europa, enquanto o diabo esfregava um olho, para uma gravíssima crise das dívidas soberanas. Em segundo lugar, e decisivo, porque, depois de todas as cedências feitas pelo Governo grego, já não seria possível responsabilizar o Syriza pelo falhanço nas negociações.
Na verdade, depois da forma quase efusiva como foram recebidas e saudadas, tanto pelos parceiros europeus como pelos mercados, as recentes propostas “construtivas” do Governo de Atenas, é impensável insistir, com um mínimo de credibilidade, na tecla da indisponibilidade de Tsipras e Varoufakis para chegar a um compromisso razoável que permita assegurar a permanência da Grécia na zona euro. Bem pelo contrário, os líderes gregos revelaram-se disponíveis para correr sérios riscos políticos internos para levar ao Parlamento helénico uma proposta muito exigente, que está a léguas das suas (irrealistas) promessas eleitorais.
Como aqui escrevi (27-2-2015) logo que foi divulgada a primeira lista de reformas apresentada pelo Governo grego, que serviu de base ao pré-acordo com o Eurogrupo e deu lugar à actual fase de negociações, “a permanência da Grécia no euro e as garantias (provisórias) de financiamento do Estado e da economia helénicos foram conseguidos à custa de uma cedência generalizada por parte do Governo grego quanto à execução de uma parte substancial do seu programa político, tal como votado pelos eleitores. E a dimensão da cedência tenderá a revelar-se ainda maior quando o Governo de Atenas for chamado a detalhar e quantificar o impacto orçamental de algumas das medidas que agora anunciou”. Mesmo que o Governo grego consiga, como tudo indica face às propostas apresentadas, consagrar metas orçamentais menos estapafúrdias e evitar medidas de cortes nos salários e nas pensões, só a extrema generosidade de Daniel Oliveira (Expresso, 23-6-2015) permite a extraordinária conclusão de que o acordo que se vai desenhando “não é recessivo” e que o pacote de medidas “é de austeridade, mas não a aprofunda”.
A verdade, evidentemente, é outra: o enorme aumento de impostos já admitido e proposto pelo Governo grego, sobretudo no IVA, no IRC e nas contribuições sociais, acompanhado da redução de diversas prestações, integra um vasto pacote de novas medidas de austeridade que totalizam 1,51% do PIB apenas no segundo semestre de 2015 e 2,87% em 2016. E tudo isto, recorde-se, para um acordo meramente provisório, destinado apenas a assegurar o recebimento da última “tranche” do programa de assistência financeira em vigor (porventura com a sua extensão até ao final do ano), o que significa remeter para mais tarde uma nova e complexa negociação sobre o futuro financeiro da Grécia no euro, incluindo a questão incontornável da sua monumental dívida pública. Em suma, se o objectivo do Syriza era um acordo para a permanência no euro que passasse pela renegociação da dívida pública e pelo abandono da política de austeridade, poderá dizer-se, já nesta altura, que não conseguiu uma coisa nem outra. O que não quer dizer, note-se bem, que seja um erro aceitar aquele acordo, por uma razão simples: não há para a Grécia uma alternativa melhor. Talvez com esta dolorosa experiência a extrema-esquerda compreenda melhor o que significa a responsabilidade de governar.
A verdade é que os termos essenciais do acordo nunca estiveram nas mãos do Governo grego, como nunca estão nas mãos do devedor. Decisivo, mesmo, é que do outro lado da mesa, com a faca e o queijo na mão, havia demasiada gente politicamente interessada no pior acordo possível para a Grécia, aquele que significasse a menor legitimação de uma alternativa política ao pensamento dominante e a menor inflexão possível na política de austeridade. Esses defensores radicais da “linha dura” foram, desde o início, os verdadeiros “elefantes” naquela sala das negociações. Infelizmente para a Grécia, e ao contrário do que disse Lagarde antes de ela própria travar um acordo que parecia eminente, não foi a falta de “adultos” que dificultou a negociação. Foi o poder de uma manada de elefantes.
P.S. – A incontornável actualidade das negociações com a Grécia impede-me de comentar esta semana a interessante resposta de Francisco Louçã, no blogue do Público, ao meu artigo da semana passada sobre a Parceria Transatlântica (TTIP). Voltarei oportunamente ao assunto, não perde pela demora.
Artigo de opinião publicado no Diário Económico