14.11.24

Em defesa da honra do PS

Quando um dirigente socialista ofende gravemente os valores, a identidade e a cultura do PS, não há calculismo taticista que o possa desvalorizar. É esse legado que sentimos o dever de defender.

Como é evidente, consagrar em regulamento municipal o despejo forçado dos arrendatários de habitações municipais condenados pela participação em distúrbios na via pública, em jeito de “sanções acessórias” complementares das sanções criminais, além de violar grosseiramente as competências reservadas da Assembleia da República e dos tribunais, iria atingir, de forma manifestamente desproporcionada, o direito fundamental à habitação dos próprios e, por maioria de razão, dos inocentes que, integrando o respetivo agregado familiar, seriam colateralmente punidos apenas por residirem na mesma habitação, sendo claramente desadequado aos fins de prevenção especial e geral dos regimes sancionatórios num Estado de Direito. É uma ideia que ofende os valores, a cultura e a identidade do PS.

A identidade do PS foi construída ao longo da sua história de intensos combates políticos, desde sempre ancorados nos valores do humanismo, da liberdade, do Estado de Direito, da igualdade e da justiça social. Esse importante património de valores e, em especial, a tradição humanista marcam de forma particular o legado do Partido Socialista nas políticas públicas de integração dos imigrantes, pelas quais os signatários foram responsáveis em diversas posições e diferentes momentos históricos.

Convém lembrar que foi justamente na FAUL (Federação da Área Urbana de Lisboa, do PS), entre os anos de 1990 e 1992, que se começaram a desenhar as primeiras políticas públicas socialistas a favor da integração dos imigrantes, que vieram a inspirar importantes projetos de lei atributivos de direitos, elaborados com a participação ativa das associações de imigrantes. E foi com um Governo socialista que se criou, em 1996, o Alto-Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas – a primeira estrutura nacional para a condução de políticas públicas de integração, que, depois de múltiplas reestruturações orgânicas, veio a dar na atual Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA).

De igual modo, foi com um Governo socialista que pela primeira vez foram garantidos aos imigrantes o direito ao trabalho sem discriminação, o direito a prestações sociais como o Rendimento Mínimo Garantido, o direito de acesso ao Serviço Nacional de Saúde, o direito de acesso à habitação social e o direito à participação nas eleições locais. Tal como foi um Governo socialista que lançou, logo em 2001, o Programa Escolhas, depois amplamente reforçado, em sucessivas gerações, como importante instrumento de intervenção e inclusão junto de populações jovens vulneráveis em bairros sensíveis.

Foi com um Governo socialista que se fez a grande reforma estrutural da Lei da Nacionalidade, de 2006, depois aprofundada também pelo PS, sempre no sentido de melhorar as condições de inclusão dos imigrantes na sociedade portuguesa. Foi ainda com governos socialistas que se iniciou, em 2007, a boa tradição de aprovar os Planos Nacionais de Integração dos Imigrantes e que se aprofundaram os direitos dos imigrantes no acesso à saúde, às prestações sociais, à educação, à formação profissional, à aprendizagem da língua portuguesa e à participação política. Tal como foram governos socialistas que consolidaram o Centro Nacional de Apoio aos Imigrantes e multiplicaram a respetiva rede de centros locais; que apoiaram e valorizaram as associações de imigrantes; favoreceram a mobilidade no seio da CPLP; ampliaram os mecanismos de imigração legal; asseguraram a separação das funções administrativas e policiais em matéria de imigração e reforçaram, incluindo no quadro do Programa Frontex, os meios capacitados para o controlo das fronteiras e para a investigação criminal associada ao combate à imigração clandestina e ao tráfico de seres humanos.

Finalmente, foram os governos do PS que mobilizaram os recursos do Plano de Recuperação e Resiliência para financiar importantes investimentos inclusivos nas comunidades desfavorecidas das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, criar uma Bolsa Nacional de alojamentos urgentes e temporários e promover o acesso à habitação, incluindo através das Estratégias Locais de Habitação.

Estes e outros importantes avanços foram, aliás, merecedores de amplo reconhecimento internacional, traduzido nas “boas práticas” recomendadas pela Comissão Europeia e nas posições cimeiras obtidas por Portugal em todos os rankings internacionais que comparam as políticas de integração nos países desenvolvidos, com destaque para o Mipex –​ Migration Integration Policy Index.

Idêntica orientação humanista foi perfilhada pelos governos socialistas na frente europeia e internacional, quer quanto à questão das migrações, quer quanto ao acolhimento dos refugiados, áreas em que diversos socialistas portugueses foram chamados a ocupar cargos de elevada responsabilidade à escala global.

O valor do humanismo, sempre aliado ao sentido da responsabilidade, é uma marca do importante legado do PS traduzido nas políticas públicas portuguesas de integração dos imigrantes, que constituem um dos seus mais relevantes contributos para uma sociedade mais inclusiva e mais justa. Enfrentar o Chega exige firmeza nos princípios e combater as perceções fáceis com a realidade dos factos, o que tem de ser possível num dos países mais seguros do mundo, em que está comprovado que não existe nenhuma relação entre criminalidade e imigração e em que, pelo contrário, a contribuição da imigração para o crescimento económico e para a sustentabilidade do Estado Social é objetivamente reconhecida.

Quando um dirigente socialista ofende gravemente os valores, a identidade e a cultura do PS, não há calculismo taticista que o possa desvalorizar. É esse legado do Partido Socialista que sentimos agora o dever de recordar e defender. Em defesa da honra do PS!

António Costa, José Leitão e Pedro Silva Pereira

Artigo publicado no Jornal Público de 06/11/2024