Enganaram-se nos cálculos os que prometiam aos quatro ventos que não iriam aumentar os impostos e juravam salvaguardar os empregos, os salários e as pensões.
De visita a São Francisco, nos Estados Unidos da América, o Presidente da República, talvez inspirado pela distância, deixou escapar uma meditação: o programa de ajustamento, disse ele, “tem sido duro para os portugueses”. E acrescentou: “tem sido mesmo mais duro do que aquilo que inicialmente se antecipava”. Mas seria um engano grave atribuir a “dureza inesperada” do programa a um “erro de cálculo”.
Sem dúvida, impressiona o contraste entre as metas iniciais do programa de ajustamento e os resultados alcançados. Vejam-se, por exemplo, os indicadores onde mais se exprime a dureza do “ajustamento” – recessão e desemprego. As diferenças são enormes: segundo a previsão inicial, a economia, depois de cair -1,8% em 2012, já deveria ter um crescimento de 1,2% em 2013 e de 2,5% em 2014; a realidade, porém, revelou uma recessão profunda e prolongada, de -3,2% em 2012 e de -1,4% em 2013, prevendo-se apenas algum crescimento para 2014 mas a um ritmo que deverá ser inferior a metade do inicialmente previsto. Por consequência, também a taxa de desemprego acabou por superar todas as previsões: em vez de cumprir a previsão inicial alcançando um pico máximo em 2012, com 13,4% (em média anual), na realidade o desemprego disparou a ponto de atingir os 16,3% em 2013.
Todavia, esta análise simplista é tão tentadora como enganadora. A verdade é que a diferença entre previsões e resultados só exprimiria um verdadeiro “erro de cálculo” do programa de ajustamento inicial se o programa executado tivesse sido o programa inicialmente previsto. Mas isso não aconteceu: as múltiplas alterações introduzidas nas dez revisões trimestrais do programa subverteram radicalmente os equilíbrios do programa inicial e conduziram à execução do dobro (!) das medidas de austeridade inicialmente previstas. Em 2012 e 2013, por exemplo, e segundo os números do próprio Governo, o programa inicial previa medidas de austeridade no valor total de 7,6 mil milhões de euros mas foram executadas medidas no valor de 15,4 mil milhões de euros. Ora, um programa diferente só podia ter resultados diferentes.
A esta luz, a conclusão é simples: o programa de ajustamento revelou-se, como diz o Presidente, “mais duro do que aquilo que inicialmente se antecipava” não em resultado de um qualquer “erro de cálculo” do programa inicial mas sim porque foi executado um programa diferente e bastante mais duro do que o programa inicialmente previsto.
Erros de cálculo houve, mas foram outros. Engaram-se nos cálculos os que, em plena crise das dívidas soberanas, e contra o parecer do Conselho Europeu e do Banco Central Europeu, optaram por provocar a crise política que arrastou o País para a ajuda externa ou que nada fizeram para a evitar. Enganaram-se nos cálculos os que julgavam que, depois dessa crise política, o ‘rating’ da República recuperaria logo que os mercados se apercebessem da mudança de Governo. Enganaram-se nos cálculos os que prometiam resolver tudo cortando nas gorduras do Estado, nos desperdícios, nas fundações e no “Estado paralelo”. Enganaram-se nos cálculos os que prometiam aos quatro ventos que não iriam aumentar os impostos e juravam salvaguardar os empregos, os salários e as pensões. E enganaram-se nos cálculos os que confiaram neles.
Artigo publicado no Diario Económico